sexta-feira, 26 de abril de 2024

Nada a ver com Pixinguinha

 Leituras para distrair

O atendente serve a cachaça usando um dosador, mas deixa que o líquido transborde por alguns segundos, o volume servido é maior que a dosagem prescrita. Em outras situações o próprio copo faz o papel de dosador, não há como transbordar, então o atendente serve uma porção bem menor que o volume do copo, espera que o cliente beba, e reinicia o enchimento do copo desconsiderando a porção servida inicialmente. Há casos de inversão no procedimento, o copo é cheio totalmente, o cliente beberica uma pequena porção e o atendente volta a servir, completando o volume que foi consumido.

São práticas comuns no serviço de alguns destilados, particularmente no serviço da cachaça, meu interesse, e tais práticas que são costumeiras na região do Rio de Janeiro recebem o nome de CHORO.

Em alguns estabelecimentos isso não é possível porque sobre a garrafa é aplicada uma fita que marca as dosagens pela altura do líquido o que impede o procedimento. Mas, isso é típico no serviço do uísque, não é muito comum no caso da cachaça. Ao contrário, é mais comum que o atendente, quando o copo permite, sirva doses generosas a seu próprio arbítrio. A meu juízo isso  é um sinal que fala mais sobre a desqualificação da bebida pelo próprio atendente do que sobre a sua generosidade para com o cliente.

Já vi essas práticas em outras regiões, até  fora do país, e não sei afirmar se o choro é uma prática generalizada, nem conheço outros termos. Mas, o meu universo são os botecos que frequento, e entre uma dose e outra eu relaxo imaginando sobre qual terá sido a origem da prática do choro e porque “choro”?

Naturalmente estou falando de divagações alcoólicas, nada a ver com análises antropológicas, mas lembro que certas teses apontam práticas e hábitos culturais como decorrentes de necessidades de organização social que foram sedimentadas pelo tempo. Sob essa óptica, quais teriam sido as raízes e motivações da prática e designação do “choro”?

O termo decorreria da relação de sinônimos entre os verbos chorar e apelar? Chorar por mais bebida? Sempre achei essa interpretação muito óbvia, mas, ainda assim, compartilho minhas especulações e paro por aqui, sem choro. ### (Jorge Santos – Rio, 25/04/2024)

terça-feira, 23 de abril de 2024

Santo Amâncio

 Leituras para distrair

Rolava uma história em minha família cuja memória sempre tentei recompor. O meu nome, desde que nascido menino, estava decidido por uma determinação do meu pai e seria o nome do santo do dia. Se fosse menina, a história era outra.

Hoje existe o Google, mas durante quase todo o século passado a referência eram os calendários católicos com os nomes dos canonizados pela igreja em cada dia do ano. Suponho que nas coincidências a escolha deveria ser da editora que publicava os calendários cujo nome popular era "folhinhas", e o santo da folhinha  no dia 8 de abril era (ainda é) um tal de Santo Amâncio. Logo estava determinado o meu nome que não contava com a aprovação da minha mãe.

Nunca resgatei os fatos completos, foi história aprendida ouvindo a repetição de conversas e brincadeiras de família.  Uma versão é que se tratava de uma sacanagem (o termo atual é trollagem) do meu pai para com a minha mãe que nunca aceitou o nome do santo da folhinha. Enfim, constava que o meu pai saiu para registrar um Amâncio e retornou do cartório com a certidão de registro de Jorge, uma decisão que contou com a aprovação da família e que não teve nada de surpreendente considerando que se tratava de um filho de macumbeiro nascido em abril.

Em minha experiência Jorge sempre foi uma espécie de nome protetor, embora muito comum em minha geração. Um nome que ainda carrega consigo um imaginário religioso muito considerado e respeitado. Por aqui, na região sudeste, o mito de São Jorge é fortíssimo,  o mito antes da santidade na medida em que ele é sincrético das mitologias católica, umbandista e macumbeiras em geral, além de outras que inundam esse nosso país de tradições culturais tão diversas. Os xarás dos meus tempos usufruíram desse fato peculiar, uma proteção pelo nome. Jorge nunca foi nome para se brincar.

Ateu, não tenho fé religiosa, mas gosto de me sentir devoto dessa imensa legião que reza e bate tambor para festejar o seu protetor, como diz a canção. Hoje acordei com a salva de fogos às 5 horas da manhã. Coisa boa. Salve Jorge!

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quarta-feira, 17 de abril de 2024

Mais do que Abril, precisamos um ano vermelho

 Opinião

O governo atual decorreu de um acordão e está em disputa (embora essa visão não seja consensual). Ocorre que as batalhas dessa disputa estão ocorrendo em espaços onde os trabalhadores e as organizações sociais não participam, e como as nossas representações parlamentares não são suficientes para os enfrentamentos, tomamos uma sova.

Além do mais, as representações da direita que não têm qualquer projeto para melhorias das condições sociais dão provas cabais que estão dispostas a levar o país  ao limite da degradação em todos os aspectos, haja vista as últimas deliberações no legislativo para solapar os poderes executivo e judiciário.

Trazer o enfrentamento para o campo de lutas que foi conquistado com a eleição do governo Lula é um imperativo lógico, e é nesse contexto que se insere a importância e a necessidade das greves e as ocupações no campo, notadamente a atual greve dos servidores – professores – federais e as ocupações do MST que nesse ano completa os 40 anos de lutas dos Sem Terra e que celebra no dia 17 de abril os 28 anos dos assassinatos de Eldorado do Carajás.

O deslocamento da luta para os espaços dos trabalhadores ocorrerá conforme a intensidade dessas mobilizações e o apoio que elas receberem de outras categorias e grupos sociais. Obviamente a clareza da questão não significa a simplicidade da resposta, mas caberá ao governo, forçado pelas mobilizações, convocar os seus contadores, abrir as planilhas e determinar as movimentações orçamentárias: qual recurso sairá de onde e para onde.

Sem provocar isso, valerá o que está ocorrendo até o momento. Lá, no espaço onde não participam os trabalhadores, a premissa tem sido a exclusão de qualquer alternativa que valorize as necessidades sociais e que não priorize os ganhos das corporações capitalistas. É essa regra que precisamos mudar, e ela só mudará com mobilizações, greves e ocupações. Não há outros caminhos.

É bem verdade que há o chamado _pensamento mágico:_ o míssil já foi lançado, velocidade e direção já estão determinadas, e fechamos os olhos e cruzamos os dedos na expectativa de estarmos contribuindo para que ele acerte ou erre o alvo. Não acho que seja uma boa opção.#####

terça-feira, 16 de abril de 2024

Ponta cabeça ou de cabeça pra baixo?

 Leituras para distrair

 

A partir de 16/04/2024 um mapa-múndi produzido pelo IBGE que tem o Brasil no centro do mundo estará disponível para venda. O IBGE decidiu comercializar essa versão de mapa que inclui os países que compõem o G20 além de algumas informações básicas sobre o Brasil.

Eu achei essa iniciativa legal, mas parte da direita está subindo nas tamancas. Um articulista do site Metrópoles escreveu assim:

É um amontoado de asneiras, mas elas expressam o pensamento entre mágico infantil, claudicante e desonesto do PT e do restante da esquerda brasileira.

Há críticas especificas ao mapa. O tradicional teria duas vantagens: põe as coordenadas 0,0 no centro e não divide continente. O mapa do IBGE corta a Ásia e a Oceania.

Eu gostei da ideia e já tinha simpatia por aquele mapa que inverte as regiões Norte – Sul. O mundo de “ponta-cabeça” (uma expressão paulista), no Rio seria “de cabeça para baixo”. O fato é que num mundo onde acostumamos a acordar querendo saber as últimas notícias sobre as últimas guerras ou qual o último flagelo do nosso país, todo o resto parece ser insignificante. Isso é horrível!

Aprender que a representação cartográfica é uma convenção e que não é determinada por lógica, mas uma relação política, é uma lição importante. Aliás, Greenwich que convencionalmente separa o mundo em oriente e ocidente resultou de uma disputa, até pelo nome, e o símbolo da ONU é um mapa visto do topo (norte).

Há algum tempo presenteei meus netos com globos terrestres de última versão geopolítica. Para estimular o interesse elaborei questões que eles deveriam responder em nossos encontros. É impressionante o número de possibilidades que esse exercício abre.  Meus netinhos responderam carinhosamente, por consideração ao vovô  - que aporrinha cobrando a ocupação do tempo deles com “essas coisas”.

Mas, um deles (são três) ganhou um outro globo terrestre, modernoso, com processador e memória digitais, iluminado e com uma caneta touch screen que, apontada sobre o país no mapa do globo, responde a número enorme de questões – geralmente demográficas, e até toca o hino do país. Novos tempos!. Estou pensando sobre como abordar com eles o assunto das guerras, não bastasse a morte do Ziraldo ###

 

sexta-feira, 12 de abril de 2024

Um alerta dos mestres

 Opinião

 

O que o proletariado conquistava era o terreno para lutar pela sua emancipação revolucionária, mas não, de modo algum, a própria emancipação “

 A assertiva acima está em “ A luta de classes na França de 1848 a 1850 “ (Karl Marx). Ela foi resgatada pelo professor Florestan Fernandes em um texto de 1987 a propósito das conquistas dos operários do ABC e de seus sindicatos na década de 80 do século XX ( Nós e o Marxismo - Ed. Expressão Popular, 2009).

 O professor Florestan complementou: 

Ao enfrentar a ditadura e desobedece-la , o proletariado vergou o arco do despotismo burguês ... e não conquistou outra coisa além do espaço político que abocanhou para lutar como classe plenamente constituída, que exige sua autonomia como e enquanto classe e a liberdade para travar tal luta em todas as direções necessárias “

 Passado tanto tempo, desde Marx e Florestan, impressiona a atualidade dessas observações que são um alerta  quando avaliamos o cenário político recente. As eleições dos governos de liderança petista foram conquistas de espaços de lutas, mas não resumem as lutas em si. Já afirmei outras vezes e reitero que no período pós-eleitoral, equivocadamente, deixamos de atuar como lutadores e passamos a atuar como zeladores do campo que conquistamos.

 Enquanto o neoliberalismo, até mesmo incorporando sem constrangimentos a sua face de extrema direita, avança conseguindo que seus valores atravessem todas as camadas sociais, há uma espécie de trava nas lideranças progressistas que não apontam para suas bases  diretrizes políticas de mobilizações. É o que está ocorrendo no governo atual. Em vez de prosseguir com as lutas no espaço que conquistamos, estamos arrumando a cama para a burguesia capitalista e suas representações políticas deitarem.

 Não deveria ser assim porque  quando as diretrizes políticas são claras, as bases progressistas respondem ocupando os espaços de luta, buscando e fazendo os embates. Vale dizer que muitas dessas bases que têm apoiado os governos Lula nem são petistas.

 Todas as vezes que as lideranças olharam para as bases e acreditaram nelas , elas se mobilizaram e responderam, de formas diversas, mas não fugiram aos enfrentamentos. Até deficiências de comunicação institucionais do governo, do PT e outras são superadas. As bases fazem interpretações, criam mecanismos de comunicação, furam bolhas digitais e combatem.

 Sem contar as eleições petistas anteriores (um histórico a parte), foi assim na mobilização pela liberdade de Lula, na mobilização contra o golpe que derrubou a Dilma, na cobrança dos responsáveis pelos crimes contra Marielle e Anderson,  na sustentação do acordão de 2022,  no caso do questionamento à política de juros do Banco Central, no caso Israel/Palestina, além de outras situações que alguém certamente poderá exemplificar.

 Sim, as frentes de batalha são várias, não há que desqualificar uma diante da outra nem ignorar que há protagonistas e papeis diversos, mas é fundamental ressaltar que tem sido a mobilização permanente das bases que tem sustentado politicamente essas lutas e que tal mobilização decorre quando as bases identificam as diretrizes apontadas com clareza e comprometimento pelas lideranças. Não sendo assim, a pena é um movimento errático e amorfo – o que está ocorrendo.

 Com essa visão não há como deixar de cobrar um governo completamente absorvido nos conchavos parlamentares e que se apresenta mudo para as suas bases. Conquistamos o campo, prossigamos com as lutas! ###


quinta-feira, 11 de abril de 2024

Tamancas e chiliques

 Opinião

 

Quando se cobra do governo o avanço de políticas progressistas que conflitam com o status quo, não faz muito sentido aceitar que ele não pode agir assim devido a sua fragilidade, que não é composto exclusivamente de forças da esquerda, correlação de forças no parlamento, e justificativas desse tipo.

Não há fato novo nesse conflito que não existisse desde as eleições, e foi em favor dessas propostas e contra aquelas de naturezas reacionárias ou conservadoras que a esquerda trabalhou para impor a candidatura Lula. Mais do que isso, apesar do acordão de frente ampla, foi com a cara e a propaganda desses propósitos que o governo se apresentou vitorioso publicamente, e um dos principais simbolismos disso foi a cerimônia de posse do presidente.

É desagradável assumir, mas o resultado do governo Lula até agora tem sido uma sequência de concessões a grupos de poder que passa longe de alguma possibilidade de transformação socioeconômica e sociopolítica. A continuar assim, sem uma convocação aos seus apoiadores para tais transformações, os méritos da atual legislação não passarão de serviços prestados à direita, serviços de um competente gerente organizador da casa que foi deixada esmerdalhada pelo governo anterior. A direita possivelmente até estará agradecida porque essa prática a libera para trabalhar ideológica e diuturnamente para retomar completamente para si esse mesmo governo.

Ora, se não foi para se fazer esse combate, então qual terá sido a finalidade da batalha da eleição? As justificativas tem sido sempre as mesmas: fragilidade do governo e governabilidade. Santa paciência! Chegamos ao cúmulo do recente encagaçamento do governo a propósito dos atos oficiais de celebrações dos 60 anos do malfadado golpe de 64, ou seja, estamos andando para trás!

Não temos uma bandeira de luta, uma consigna sequer que represente a direção política em que apostamos e que possa nos agregar em campanhas populares de defesa e promoção de um governo progressista. Quem souber aponte.

Descriminalização do Aborto, Desapropriação e Ocupação de Latifúndios, Taxação de Fortunas, Redefinição de Forças Armadas e Policiais, Recuperação dos Direitos Trabalhistas, Resgatar Estatais, Enquadrar o Agronegócio – nem uma proposta sequer. Se essas são radicais, extremistas, então quais outras? O governo está mudo, não propõe! Não fala com a galera que batalhou para sua eleição.

As representações da esquerda no governo não têm pautas mínimas setoriais para convocar a militância, e os ministérios que deveriam ser as referências de um governo progressista estão todos com suas violas enfiadas em sacos na medida em que foram desautorizados pelo presidente, e pelo andar da carruagem a situação ficará pior com os conchavos eleitorais que estão se formando para as eleições municipais.

É obvio que Lula não tem que fazer um governo mágico e mudar o país, não é isso que se cobra dele. Ele deve ser cobrado, sim, a realizar o seu papel de liderança, a única com autoridade para convocar a militância. É esse o papel que ele está deixando de lado.

Subir nas tamancas e dar chiliques quando se faz qualquer tipo de cobrança ao sapo barbudo como se isso fosse a profanação de uma divindade é um direito de quem o faz, mas seria bem mais proveitoso se houvesse contra argumentos apontando alternativas de encaminhamentos em vez da repetição do enfadonho e equivocado mantra da proteção da governabilidade.  Enquanto isso a direita avança.

Um som de trovão

Opinião

Um dos magos da ficção, Ray Bradbury (Fahrenheit 451) escreveu em 1952  “Um som de trovão”, um conto onde um personagem viaja ao passado e sem atender aos cuidados obrigatórios da viagem pisa por descuido em uma borboleta provocando uma intervenção na história. Ao retornar ao seu tempo ele encontra um outro mundo em decorrência da intervenção que provocou, incluindo a chegada ao poder de um líder fascista.

Dez anos após o conto de Bradbury, cientistas da meteorologia estudando as consequências ao longo do tempo de micro alterações em variáveis dos sistemas que estudavam fizeram simulações que deram origem a chamada Teoria do Caos. Chamaram de efeito Borboleta às consequências dessas micro variações constatando que variações iniciais, por menores que sejam, podem gerar enormes mudanças ao longo do tempo e tornar impossíveis as previsões de suas consequências e provocando os chamados estados caóticos.

Oxalá o efeito Lula Cagão não se transforme num efeito Borboleta. O ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos e da Cidadania) teve que enfiar a viola no saco e cancelar atividades que vinham sendo programadas há meses. Se quiser cantar que o faça em outro lugar. Desejo que ele próprio não seja rifado junto com suas programações, afinal, após essa cagada no pau do sapo barbudo será bem complicado o ministro prosseguir nos enfrentamentos que vem tendo sem o risco de ser questionado em nome do dito presidencial.

Todo o governo precisará se comportar como um grupo marciano colonizador que baixou aqui sem passado e sem história. Menções ao histórico da ditadura talvez tenham que ser contidas ou, quem sabe, receber endosso presidencial. Sensibiliza ou não os milicos? Atentado do Riocentro; assassinato de Herzog; assassinato de Manoel Fiel Filho; massacre de Volta Redonda;  bomba na ABI. Segundo Lula, não dá para prosseguir remoendo. Só faltou dizer: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?

Será que voltarão a mexer com o monumento do João Cândido? Tomara  que seja um exagero, afinal, segundo um amigo e militante querido,  a manifestação de Lula, golpeou o ânimo da direita.  

(Rio, 29/03/2024) 

quinta-feira, 28 de março de 2024

Será algum tipo de virose?

 

Opinião

 

Lula empurrou o país na direção do atraso com suas deliberações e declarações em 2024 sobre a memória do golpe de 64. Toffoli também fez assim em 2018, mas Lula não precisava fazer isso, poderia até passar panos quentes como ele bem sabe fazer. Não responderia como revolucionário ao apelo de parte da militância, mas também não se exporia a ser chamado de cagão, um adjetivo em moda nesses dias de desfile de milicos golpistas.

Entretanto, Lula  optou por capturar o adjetivo para a sua carreira, e fez exatamente assim quando seria uma oportunidade de resgatar a memória de lutas de uma sociedade que se debate contra o autoritarismo desde a sua infância política – Lula se mostrou um cagão.

A opção de Lula não nega a sua história de lutas políticas, mas ela não precisava ter esse capítulo. Também não faz dele um traidor da sua classe, contudo acrescenta uma ressalva à sua história. Lula é indiscutivelmente um líder popular que declara um limite para as suas convocações de liderança. Quando confrontado os seus objetivos – no caso de personalidades como Lula não há como falar de objetivos pessoais – enfim, quando confrontados seus objetivos frente ao domínio autoritário imposto pelas forças armadas golpistas e fascistas de 64 e mantenedoras de seus propósitos até hoje, após o 8 de janeiro de 2023, o Lula que se apresenta até aqui é o Lula cagão. Não contemos com ele. Uma pena!

O Brasil tem uma história singular no continente. A reação social pós - ditadura não se deu nos moldes dos nossos vizinhos que aos seus respectivos custos e jeitos defenestraram seus períodos históricos ditatoriais. Vai lá e vem cá, parecia que buscávamos a nossa forma de também fazê-lo, de exorcizar esses nossos demônios, e sempre pareceu que isso passaria pelo Lula. Do seu jeito, naturalmente, mas passaria por ele.

Após 60 anos daquela nojeira de 1964; após conseguirmos um revés que derrotou eleitoralmente um líder fascista de enorme apoio popular;  elegemos um presidente que resgatou sua autoridade política graças a uma massa de apoio militante que se manteve mobilizada durante os 580 dias de sua prisão; superamos uma tentativa de golpe pós-eleição e temos uma estrutura ministerial que inclui uma cadeira de  Direitos Humanos e da Cidadania ocupada por um quadro como o ministro Silvio Almeida. As décadas sempre são datas especiais. Essa seria uma boa hora de mais um avanço no enfrentamento dessa questão. Mas, não foi! Outra vez a história está sendo sufocada.

Em suas palavras, Lula diz que “não pode ficar se remoendo... uma história que a gente ainda nem tem todas as informações porque ainda há gente desaparecida”. Que “vai tentar tocar esse país para frente”. Essa foi direção apontada por Lula,  *Triste Lula. Cagão!*

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domingo, 25 de fevereiro de 2024

Pronto, falou e disse!

 Opinião

 

Estou longe de condenar as palavras do sapo barbudo a propósito do genocídio realizado pelo governo israelense na faixa de Gaza e, mais longe ainda de condenar a comparação dos atos do fascista Netanyahu com os do Hitler. Não achei inoportunas nem inadequadas, ao contrário, achei que acertaram o alvo em cheio e cumpriram o seu papel de fazer coro sem disfarces contra a matança de mulheres e crianças praticada pelo governo israelense naquela região  e que ainda  prossegue.

A tentativa do extermínio dos judeus pelos nazistas não deverá ser apagada da história, não só pelo que ela representou para toda a humanidade, mas também pelas iniciativas do povo judeu, talvez único grupo cultural que tem superado as divisões políticas do capitalismo, que trabalha e trabalhará para a conservação dessa memória trágica que é elemento relevante na história da manutenção da sua cultura.

Contudo, tragédias não deixam de ser tragédias pela contabilidade de mortos e não têm tempo de validade. Elas não recebem medalhas de “or concur” e ninguém têm certificado de propriedade ou de exclusividade de narrativas. Assim, quando um fascista que governa um dos principais poderios bélicos do mundo aponta esses recursos para o extermínio de dezenas de milhares de mulheres e crianças indefesas, ele não só deve, mas precisa ser denunciado, apontado como criminoso que é, e comparado com os similares de sua  espécie, no caso em pauta, com o líder nazista Hitler.

É claro que Lula poderia ter lançado mão de outras comparações com exemplos da história passada ou contemporânea, até mesmo situações vividas na própria história brasileira. Poderia ter exemplificado com Ruanda, com a Síria, com o Congo, com o Sudão, com os Xpquistão da vida, com Eldorado dos Carajás, com a escravização dos africanos, com a casa do cacete. Porém , Lula não estava diante de uma banca universitária apresentando um trabalho documental histórico e formal sobre os genocídios na memória da humanidade.

Lula estava denunciando os assassinatos que estão sendo praticados por Netanyahu, filmados e com imagens exibidas nos horários nobres dos telejornais e nos lares do mundo inteiro, no interregno entre partidas de futebol, shows de variedades e, quem sabe, até entre as putarias que dominam as disputas do poder político mundial. O sapo barbudo sacou e atirou. Fez o que deveria, e acertou. Usou o exemplo mais simples, mais próximo, não precisou desenhar.

Quem ficar nesse ti ti ti apontando inconveniências das declarações de Lula, mesmo com argumentos condescendentes, mas ressalvando que tais declarações desviaram o foco das atenções estará equivocado, batendo palmas pra maluco dançar! Quem está desviando o foco é quem reluta em assumir e denunciar que estamos diante de um genocídio consentido.

Quem achar que Lula poderia ter utilizado outros exemplos, então que os use, que lance mão deles e que os acrescente às denúncias contra o atual governo fascista israelense. Façamos isso, sem desculpas nem invenções.

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terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Luís Inácio falou!

 Opinião

 

O governo de Israel usa o holocausto como um tapume para disfarçar o genocídio do povo palestino. Qualquer menção às misérias sofridas pelos judeus durante o nazismo vis-à-vis as que estão sendo praticadas por Netanyahu em Gaza neste momento é oportunisticamente apontada como antissemitismo e desrespeitosa  aos judeus.

As declarações de Lula foram um chute nesse tapume escroto desvelando um canteiro de obras que, afinal, nem é novidade para o mundo. Mas, a contundência das suas declarações revigorou um debate amortecido pelos protocolos diplomáticos e alinhamentos políticos, o debate sobre o governo israelense como ele é em sua essência: uma liderança  política ameaçada de ser presa em seu próprio país que não titubeia em escudar-se no assassinato de uma população civil indefesa, notadamente de mulheres e crianças.

Os brasileiros, judeus e não judeus, podem concordar ou discordar das declarações de Lula em forma ou conteúdo, *mas aqueles que fizerem dessa discordância um pretexto para se alinhar em apoio aos grupos fascistas e de extrema-direita que ainda se organizam no Brasil e que atuam para sabotar o futuro do país* estarão, antes de tudo, dizendo sobre si mesmos e seus verdadeiros valores – saindo de trás dos seus tapumes individuais.

Por mim, gostaria que não existissem, mas dado que estão por aí, prefiro que façam assim, que se revelem. São oportunidades para tornar a nossa sociedade mais transparente em sua composição e em seus valores humanos e políticos.

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