quarta-feira, 10 de abril de 2013

O lixo da categoria


Crônicas de militante


Fazer piquete de greve na Rua Alexandre Mackenzie era um desafio. Eram dois prédios na mesma calçada, um da Embratel e outro da Telerj. Dois prédios operacionais onde os trabalhadores se revezavam em turnos de 24 horas. Eram poucos, mas não parava de entrar e sair gente. Os maiores contingentes eram os de telefonistas. No prédio da Embratel as telefonistas internacionais e no prédio da Telerj as telefonistas do serviço interurbano conhecido como 102. Havia telefonistas de ambos os sexos, mas usávamos o feminino, as telefonistas, porque as mulheres eram maioria absoluta.

As telefonistas internacionais da Embratel eram engajadas no movimento sindical e até mais avançadas que os demais trabalhadores da empresa. Jovens e universitárias em sua maioria, com outros projetos de carreira, o emprego de telefonista era uma circunstância favorável na medida em que a carga horária e os turnos permitiam que desenvolvessem outras atividades. O mesmo não acontecia com as telefonistas do 102, da Telerj. Estas eram em maioria senhoras com muitos anos de casa, muitas no limiar da aposentadoria, e acostumadas a uma relação de subserviência total à estrutura da empresa e aos seus supervisores que atuavam como verdadeiros capatazes numa relação sem qualquer respeito para com as mesmas.

Os dias de greve eram dias de crise com as telefonistas do 102. As greves eram decretadas a partir da meia noite quando, então, formavam-se os piquetes. Na Mackenzie, já sabíamos que no início da madrugada elas começariam a aparecer querendo entrar de qualquer jeito.

As primeiras apareciam na esquina da rua Mal. Floriano com a Mackenzie, e quando identificavam os piquetes elas reduziam o passo e aguardavam a chegada de outras colegas. Quando em número bastante para se sentirem fortalecidas caminhavam em direção à portaria, encolhidinhas, uma atrás da outra, acossadas pelos supervisores que, de dentro do prédio, faziam ameaças veladas pelas janelas. Jogavam-se contra os piquetes, era um caso sério. Bate boca, discursos de convencimento, ofensas, sem contar que algumas vinham acompanhadas por maridos, filhos etc. que se integravam ao conflito com os piquetes.

Certa vez, um grupo de estivadores do Porto do Rio de Janeiro estava dando um “apoio” ao movimento dos trabalhadores de Telecom e participando do piquete de greve. O tal “apoio” tornou-se um problema adicional porque, além de tratar dos fura greve, tínhamos que conter os piqueteiros estivadores que não entendiam a nossa atitude de fazer discursos de convencimento dos fura greve. Para eles fura greve deveria ganhar porrada, afinal para isto o piquete estava ali. Porém, como eles eram um grupo de apoio, mesmo a contragosto acatavam os nossos procedimentos e buscavam algum mecanismo para  viabilizar aquele piquete estranho e, na visão deles, tão delicado.

Na Mackenzie, diante o comportamento das telefonistas da Telerj, os estivadores pegaram os latões de lixo que ficavam na calçada e cuja coleta ocorreria pela manhã e despejaram uma montanha de lixo na portaria, deixando um único cantinho livre para quem quisesse sair do prédio. Adicionalmente, esticaram um fio de barbante com várias baratas penduradas, vivas e mortas, todas que conseguiram recolher ao revirar o lixo, de maneira que, quem quisesse atropelar o piquete teria que chafurdar no lixo e ultrapassar a barreira de baratas. Foi um caos. Uma comédia que fez aquele piquete inesquecível.

Pela manhã, após inúmeras cenas envolvendo tombos, lixo, brigas e  baratas, chegou o caminhão para fazer a coleta de rotina do lixo. Os lixeiros foram repelidos sob ameaça de um confronto. Recolher o lixo seria um boicote ao movimento dos trabalhadores de Telecom .  Afinal, aquele lixo pertencia à categoria!

5 comentários :

  1. Querido Jorge,
    Leio sempre com atenção as suas postagens , pois as considero importantes não só como convites à reflexão, mas também como registro da história de luta dos trabalhadores brasileiros. Como se nao bastasse, elas ainda me servem como bálsamo para o coração cansado e estímulo às já meio esfumaçadas memórias da pele .
    Grata pelo companheirismo de ontem e de hoje . Você foi e continua sendo um companheiro competente , leal e incansável.
    Beijo carinhoso e parabéns por mais esse relato,
    Vera Mello

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. O lixo de cada um

    Meu companheiro Jorge

    Lendo seu artigo, quantas lembranças me ocorrem das nossas lutas. Memórias que hoje até nos fazem rir daqueles momentos, mas que na ocasião eram nossas armas para lutar contra a exploração.
    A propósito dessas lembranças, quando li a história do lixo e da barreira de baratas, logo me veio à mente situação similar ocorrida em Salvador (BA),no período em que nosso camarada Pinheiro era dirigente da categoria.
    Lá eles tinham um prédio - o Cabula - onde era difícil fazer greve. Se não me engano era o prédio onde ficava a Diretoria da Telebahia e os trabalhadores se sentiam intimidados.
    Lá para os idos de 90,(período Collor) a turma do piquete, para garantir a greve contratou uma caçamba de arenoso e, as 5 da matina mandou despejar no único acesso ao prédio do Cabula. Havia uma outra possibilidade de acesso, subindo a pé por um morro. Então decidiram jogar, nessa área, óleo queimado e outras coisas mais. Bom, pelo relato que tivemos, o trânsito ficou caótico ou, no bom baianês, aquilo lá ficou um "mangue" até que o arenoso fosse retirado, lá pras 10h. Aquela rapaziada muito empresa, que resolveu escalar o morro e furar a greve, chegou ao local de trabalho toda suja e machucada, sem condições de trabalhar. Efeito das surpresas que foram espalhadas pelos piqueteiros.
    Histórias do movimento sindical dos trabalhadores em telecomunicações...

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  4. Histórias de lutas e vitórias. Gostei da ideia dos estivadores ... os caras contribuiram muito ao nos colocar diante do lixo que guardamos na nossa incapacidade de encararmos de frente as nossas próprias lutas.
    Um grande abraço,
    Júlio Camarão

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