Crônicas de militante
No Brasil pós-ditadura
vivenciamos uma situação - estranha – para não rebuscar outros adjetivos. Saímos
de um processo constituinte com um presidente – Sarney – e um ministro das
Comunicações – ACM. Uma amostra clara que um sistema ditatorial pode cair, mas
dependendo de como este processo ocorre a ditadura e suas representações podem
não desaparecer imediatamente do cenário social. Situação quase desanimadora.
E, naturalmente, o ministro
não deu a menor trela para cumprir a anistia constitucional dos empregados
demitidos por participações em greve. Todos os setores cumpriram Constituição, menos
o setor de Telecom. Não bastou o tanto que lutamos para garantir a Anistia, foi
preciso, ainda, recorrer à justiça para garantir o cumprimento da Lei. Mas,
como diz a sabedoria popular sobre os antagonismos entre deuses e demônios: se um tira os dentes, o outro alarga a goela.
Assim, se as circunstâncias determinaram alguém com alcunha de malvadeza para mandar em um setor tão
importante como as Telecom brasileiras, elas também determinaram uma categoria
de trabalhadores com uma inusitada consciência da sua importância e do seu
papel político e que nunca curvou a cabeça nem se deixou confundir com a figura
do ministro do setor.
Após idas e vindas à Justiça do Trabalho que
duraram cerca de sete meses após a promulgação da Constituição, conseguimos, em
28 de abril de 1989, uma ordem judicial para a nossa readmissão na Embratel,
uma alegria que durou pouco. Fomos encaminhados para exames de saúde
admissionais e, antes mesmo de completá-los, a empresa conseguiu sustar a ordem
judicial fazendo-nos retornar à luta por uma nova liminar que só foi obtida em
junho de 1989. Porém, dessa vez seria diferente. A nova decisão, para evitar a
manobra anterior da Empresa, mandava que retornássemos diretamente aos nossos
postos de trabalho e que “... as
eventuais rotinas burocráticas para a readmissão...” fossem procedidas sem
prejuízo da permanência em nossos postos “... sob pena de desobediência (Rio, 16.06.89)”.
Não alardeamos a obtenção da
nova liminar. Tratamos de saber exatamente quando a empresa seria intimada e nos
organizamos para esse dia. Providenciamos um carro de som e nos certificamos da presença do diretor administrativo
em sua sala no dia e horário previstos para a intimação. Monitoramos as saídas
laterais do prédio para detectar uma possível evasão do diretor e, com as
informações em mãos, o oficial de justiça entrou e fez valer a decisão da
juíza. Era início do horário de almoço e, providencialmente, os advogados da
empresa estavam todos almoçando, sem fazer ideia do que ocorria. O diretor, uma
figura medíocre para o cargo que ocupava e que se escudava nas suas relações serviçais
com o ministro, sequer teve a quem recorrer. E foi uma festa! No mesmo instante
da intimação o carro de som anunciou o que estava ocorrendo no andar da
diretoria. Os colegas que sabiam do assunto iniciaram uma chuva de papel picado
acompanhados por outros empregados que ainda estavam no interior do prédio. Os que entravam e saiam para o almoço agitaram a portaria principal da
empresa. O corredor do andar onde eu e outro companheiro anistiado
trabalhávamos encheu de colegas aguardando-nos chegar e sermos levados até os
nossos postos, às 13 horas do dia 22 de junho de 1989 como o oficial de justiça
lavrou nos autos, um retorno com nove meses de atraso. E a festa se repetiu no
retorno de cada um dos anistiados aos seus respectivos postos.
Foi uma grande vitória. Não
dos anistiados, mas do movimento dos trabalhadores, particularmente dos
empregados da Embratel que engoliu o constrangimento da derrota e deixou de
questionar o nosso retorno. Cada encontro no interior da empresa era
acompanhado de abraços, de comemorações, de orgulho e também de reflexão sobre
o que havíamos conquistado. Almas lavadas após um ano e sete meses de lutas
desde as demissões.
Ótima!
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