segunda-feira, 22 de abril de 2013

Um ministro malvado e uma categoria marrenta



Crônicas de militante


No Brasil pós-ditadura vivenciamos uma situação - estranha – para não rebuscar outros adjetivos. Saímos de um processo constituinte com um presidente – Sarney – e um ministro das Comunicações – ACM. Uma amostra clara que um sistema ditatorial pode cair, mas dependendo de como este processo ocorre a ditadura e suas representações podem não desaparecer imediatamente do cenário social. Situação quase desanimadora.

E, naturalmente, o ministro não deu a menor trela para cumprir a anistia constitucional dos empregados demitidos por participações em greve. Todos os setores cumpriram Constituição, menos o setor de Telecom. Não bastou o tanto que lutamos para garantir a Anistia, foi preciso, ainda, recorrer à justiça para garantir o cumprimento da Lei. Mas, como diz a sabedoria popular sobre os antagonismos entre deuses e demônios: se um tira os dentes, o outro alarga a goela. Assim, se as circunstâncias determinaram alguém com alcunha de malvadeza para mandar em um setor tão importante como as Telecom brasileiras, elas também determinaram uma categoria de trabalhadores com uma inusitada consciência da sua importância e do seu papel político e que nunca curvou a cabeça nem se deixou confundir com a figura do ministro do setor.

 Após idas e vindas à Justiça do Trabalho que duraram cerca de sete meses após a promulgação da Constituição, conseguimos, em 28 de abril de 1989, uma ordem judicial para a nossa readmissão na Embratel, uma alegria que durou pouco. Fomos encaminhados para exames de saúde admissionais e, antes mesmo de completá-los, a empresa conseguiu sustar a ordem judicial fazendo-nos retornar à luta por uma nova liminar que só foi obtida em junho de 1989. Porém, dessa vez seria diferente. A nova decisão, para evitar a manobra anterior da Empresa, mandava que retornássemos diretamente aos nossos postos de trabalho e que “... as eventuais rotinas burocráticas para a readmissão...” fossem procedidas sem prejuízo da permanência em nossos postos “... sob pena de desobediência (Rio, 16.06.89)”.

Não alardeamos a obtenção da nova liminar. Tratamos de saber exatamente quando a empresa seria intimada e nos organizamos para esse dia. Providenciamos um carro de som e nos  certificamos da presença do diretor administrativo em sua sala no dia e horário previstos para a intimação. Monitoramos as saídas laterais do prédio para detectar uma possível evasão do diretor e, com as informações em mãos, o oficial de justiça entrou e fez valer a decisão da juíza. Era início do horário de almoço e, providencialmente, os advogados da empresa estavam todos almoçando, sem fazer ideia do que ocorria. O diretor, uma figura medíocre para o cargo que ocupava e que se escudava nas suas relações serviçais com o ministro, sequer teve a quem recorrer. E foi uma festa! No mesmo instante da intimação o carro de som anunciou o que estava ocorrendo no andar da diretoria. Os colegas que sabiam do assunto iniciaram uma chuva de papel picado acompanhados por outros empregados que ainda estavam no interior do prédio. Os que entravam e saiam para o almoço agitaram a portaria principal da empresa. O corredor do andar onde eu e outro companheiro anistiado trabalhávamos encheu de colegas aguardando-nos chegar e sermos levados até os nossos postos, às 13 horas do dia 22 de junho de 1989 como o oficial de justiça lavrou nos autos, um retorno com nove meses de atraso. E a festa se repetiu no retorno de cada um dos anistiados aos seus respectivos postos.

Foi uma grande vitória. Não dos anistiados, mas do movimento dos trabalhadores, particularmente dos empregados da Embratel que engoliu o constrangimento da derrota e deixou de questionar o nosso retorno. Cada encontro no interior da empresa era acompanhado de abraços, de comemorações, de orgulho e também de reflexão sobre o que havíamos conquistado. Almas lavadas após um ano e sete meses de lutas desde as demissões.

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