Crônicas de militante
Em 2013 o cardeal católico
D. Paulo Evaristo Arns, símbolo da luta em defesa dos direitos humanos, completará
92 anos de idade, e foi com ele, ainda com 68 anos, que tivemos a oportunidade
de conversar em audiência, eu e mais dois companheiros. Estávamos empenhados em
denunciar, por todos os meios possíveis, a postura do ministro das Comunicações
que se recusava a cumprir a anistia constitucional dos empregados do setor. Assim,
a manifestação pública de uma autoridade como o cardeal Arns seria importante
para os nossos objetivos. Com a intermediação de um parlamentar que tinha base em
comunidades católicas conseguimos uma audiência, e lá estávamos, numa tarde de julho
de 1989, na antessala do cardeal, em S. Paulo, aguardando e observando outros
que também esperavam. Brasileiros e estrangeiros. Alguns religiosos, outros não.
O encontro pessoal com o cardeal
Arns reafirmou a imagem pública que conhecíamos. Ele nos recebeu com uma
cortesia, afetuosidade e atenção que foi além das nossas expectativas, ouvindo-nos sem
demonstrar gestos de impaciência ou intolerância, e logo manifestou
solidariedade e compromisso de ajuda, embora com um alerta. Disse-nos que tinha
dúvidas se o seu engajamento seria positivo ou negativo para os nossos
propósitos, considerando que ele também era um alvo das ações e posturas negativas
do então Ministro das Comunicações.
O cardeal relatou-nos a
situação da Rádio 9 de Julho, uma concessão do presidente Kubitscheck à Arquidiocese
de São Paulo, feita em 1955, que cobria todo o estado, além de outros do país, muitos
países latino-americanos e alguns países nórdicos europeus com grande audiência
e repercussão. A concessão foi cassada em 1973, pelo governo Medici, face aos
seus posicionamentos em defesa dos direitos humanos e denúncias de
arbitrariedades do regime militar tais como a supressão das garantias individuais,
as prisões política, torturas, desaparecimento de pessoas, etc.
Segundo o cardeal, a devolução
da concessão teria sido um compromisso do falecido presidente Tancredo Neves,
mas que não foi cumprido pelo ministro Antônio Carlos Magalhães e o presidente
Sarney que lhe ofereceram, em contrapartida, uma emissora em Cotia cujo sinal
nem chegava a São Paulo e que ele (o cardeal) declinou. Com outros relatos e
nos dedicando um tempo generoso de sua agenda, o cardeal informou-nos que
conversaria com os seus assessores sobre como poderia colaborar e assim o fez. Sabíamos
desde o início das dificuldades do cardeal que já enfrentava batalhas em seus
próprios domínios. O Papa João Paulo II, para reduzir a influência religiosa e
política do cardeal, havia recentemente dividido a diocese de São Paulo em
cinco novas dioceses. Ainda assim, alguns dias após a audiência, recebemos a
notícia de uma carta da Arquidiocese, cuidadosa, mas exortando o Ministério das
Comunicações para o cumprimento da Constituição no que se referia à anistia dos
trabalhadores de Telecom.
A Rádio 9 de Julho só foi
devolvida à Arquidiocese em 1996, no governo FHC, e foi também neste ano que o
cardeal Arns, com 75 anos, apresentou sua renúncia e recolheu-se ao silêncio,
de onde não saiu, nem mesmo para as celebridades de comemoração dos seus 90
anos.
Guardo este encontro como inesquecível,
a oportunidade de conversar com um militante exemplar que, em 1973, ao ser
nomeado bispo, vendeu o Palácio Episcopal, que seria a sua residência, e com a grana financiou núcleos comunitários
na periferia de S. Paulo; que denunciou e reclamou sobre a tortura diretamente
no gabinete do ditador Medici, que de lá praticamente o expulsou, irritado, dizendo que o seu
lugar era na sacristia; que abriu a Sé, em São Paulo, em 1975, para um culto em
memória do jornalista Wladimir Herzog .
Jorge,
ResponderExcluirEsse é uma grande pessoa da história do Brasil. Estive na Praça da Sé, no culto do Herzog, e sou testemunha ocular de sua vitória contra a truculência policial. Apesar de todo o artefato bélico disponibilizado pela Polícia e de toda a pressão política para impedir a celebração, esta foi feita e juntou milhares de brasileiros em protesto contra a violência e tortura policial. Não consegui entrar na igreja, naquele dia (poucos conseguiram, dada a quantidade de gente presente), mas do canto da praça, de onde estive, pude acompanhar essa belíssima manifestação de paz contra a tortura.
Abraços
Chap
Essas atitudes que relata foram banidas da Igreja dos João Paulos e Franciscos, que além de calarem-se foram e são muitas vezes coniventes com aquelas e outras ditaduras.
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