segunda-feira, 13 de maio de 2013

Fazendo queixas ao bispo


Crônicas de militante


Em 2013 o cardeal católico D. Paulo Evaristo Arns, símbolo da luta em defesa dos direitos humanos, completará 92 anos de idade, e foi com ele, ainda com 68 anos, que tivemos a oportunidade de conversar em audiência, eu e mais dois companheiros. Estávamos empenhados em denunciar, por todos os meios possíveis, a postura do ministro das Comunicações que se recusava a cumprir a anistia constitucional dos empregados do setor. Assim, a manifestação pública de uma autoridade como o cardeal Arns seria importante para os nossos objetivos. Com a intermediação de um parlamentar que tinha base em comunidades católicas conseguimos uma audiência, e lá estávamos, numa tarde de julho de 1989, na antessala do cardeal, em S. Paulo, aguardando e observando outros que também esperavam. Brasileiros e estrangeiros.  Alguns religiosos, outros não.

O encontro pessoal com o cardeal Arns reafirmou a imagem pública que conhecíamos. Ele nos recebeu com uma cortesia, afetuosidade e atenção que foi  além das nossas expectativas, ouvindo-nos sem demonstrar gestos de impaciência ou intolerância, e logo manifestou solidariedade e compromisso de ajuda, embora com um alerta. Disse-nos que tinha dúvidas se o seu engajamento seria positivo ou negativo para os nossos propósitos, considerando que ele também era um alvo das ações e posturas negativas do então Ministro das Comunicações.

O cardeal relatou-nos a situação da Rádio 9 de Julho, uma concessão do presidente Kubitscheck à Arquidiocese de São Paulo, feita em 1955, que cobria todo o estado, além de outros do país, muitos países latino-americanos e alguns países nórdicos europeus com grande audiência e repercussão. A concessão foi cassada em 1973, pelo governo Medici, face aos seus posicionamentos em defesa dos direitos humanos e denúncias de arbitrariedades do regime militar tais como a supressão das garantias individuais, as prisões política, torturas, desaparecimento de pessoas, etc.

Segundo o cardeal, a devolução da concessão teria sido um compromisso do falecido presidente Tancredo Neves, mas que não foi cumprido pelo ministro Antônio Carlos Magalhães e o presidente Sarney que lhe ofereceram, em contrapartida, uma emissora em Cotia cujo sinal nem chegava a São Paulo e que ele (o cardeal) declinou. Com outros relatos e nos dedicando um tempo generoso de sua agenda, o cardeal informou-nos que conversaria com os seus assessores sobre como poderia colaborar e assim o fez. Sabíamos desde o início das dificuldades do cardeal que já enfrentava batalhas em seus próprios domínios. O Papa João Paulo II, para reduzir a influência religiosa e política do cardeal, havia recentemente dividido a diocese de São Paulo em cinco novas dioceses. Ainda assim, alguns dias após a audiência, recebemos a notícia de uma carta da Arquidiocese, cuidadosa, mas exortando o Ministério das Comunicações para o cumprimento da Constituição no que se referia à anistia dos trabalhadores de Telecom.

A Rádio 9 de Julho só foi devolvida à Arquidiocese em 1996, no governo FHC, e foi também neste ano que o cardeal Arns, com 75 anos, apresentou sua renúncia e recolheu-se ao silêncio, de onde não saiu, nem mesmo para as celebridades de comemoração dos seus 90 anos.

Guardo este encontro como inesquecível, a oportunidade de conversar com um militante exemplar que, em 1973, ao ser nomeado bispo, vendeu o Palácio Episcopal, que seria a sua residência,  e com a grana financiou núcleos comunitários na periferia de S. Paulo; que denunciou e reclamou sobre a tortura diretamente no gabinete do ditador Medici, que de lá praticamente o expulsou, irritado, dizendo que o seu lugar era na sacristia; que abriu a Sé, em São Paulo, em 1975, para um culto em memória do jornalista Wladimir Herzog .

2 comentários :

  1. Jorge,
    Esse é uma grande pessoa da história do Brasil. Estive na Praça da Sé, no culto do Herzog, e sou testemunha ocular de sua vitória contra a truculência policial. Apesar de todo o artefato bélico disponibilizado pela Polícia e de toda a pressão política para impedir a celebração, esta foi feita e juntou milhares de brasileiros em protesto contra a violência e tortura policial. Não consegui entrar na igreja, naquele dia (poucos conseguiram, dada a quantidade de gente presente), mas do canto da praça, de onde estive, pude acompanhar essa belíssima manifestação de paz contra a tortura.
    Abraços
    Chap

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  2. Essas atitudes que relata foram banidas da Igreja dos João Paulos e Franciscos, que além de calarem-se foram e são muitas vezes coniventes com aquelas e outras ditaduras.

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