segunda-feira, 20 de maio de 2013

O deputado, um chulo. Os militantes, uns sacanas.



Crônicas de militante

Para convencer Constituintes de 1988 a votarem em favor da anistia dos trabalhadores que participaram de greves, uma das tarefas era abordá-los nos corredores do Congresso Nacional quando se dirigiam ao Plenário, especialmente nos dias de votação dos temas de maior destaque. Naqueles dias eles se deslocavam em grupos, exibiam-se para fotógrafos, faziam-se simpáticos e, geralmente, não rejeitavam abordagens. Mas, não era assim todo o tempo. Em grupos menores, nos seus gabinetes, sentindo-se seguros e poderosos, eles mostravam quem eram, mesmo que não assumissem explicitamente quem estavam representando. Brilhantes, medíocres, sinceros, dissimulados, humildes, arrogantes, batalhadores, coçadores, tinha constituinte de todo o tipo – nenhum bobo. Muitos medíocres, mas espertos.

Um deles odiava os sindicatos. E a CUT parecia ser a sua inimiga maior. Ele conhecia bem a campanha da anistia, sabia sobre o trabalho que estávamos fazendo e frequentemente cruzava com a moçada que estava distribuindo cartazes, visitando os gabinetes etc. Ele tinha um pavio curto e fez fama assim, de brigão, troglodita. Aliás, até representava este papel em um programa popular de TV de audiência nacional e que foi o trampolim para sua eleição.

Ao passar por nós ele não conseguia se controlar. Sem constrangimentos, em tom alto que garantisse que estávamos ouvindo, mas não o bastante para comprometê-lo, considerando que era o corredor do Congresso Nacional, ele vociferava: Vocês não me enganam! Se fazem de santinhos, mas é tudo agitador! Tudo da CUT! Querem anistia, né? Não vão ter anistia porra nenhuma, todos vão se fuder! Vou botar na bunda de vocês! E os gritos eram acompanhados de gestos. Usando o polegar e o indicador mostrava-nos orifícios, mas não era um Ok. Também nos brindava com uns “Top, Top” batendo a palma de uma das mãos sobre o punho fechado da outra. Na época ainda não havia na linguagem brasileira de sinais pornográficos o apontamento para cima do dedo médio, gestual que foi incorporado, mais tarde, dos americanos.

 Acontecia que entre os militantes também tinha gente de todo o tipo, felizmente. Alguns queriam brigar, partir pra cima do deputado, e isso era tudo o que ele queria. Outros engoliam a raiva. E havia militantes sacanas, provocadores, que faziam questão de botar pilha no deputado, de bater palmas para ver o maluco dançar. Ao cruzar com o deputado, uma troca de olhares, um cumprimento irônico, uma risada fingidamente abafada era o que bastava. O cara surtava. Nos dias em que o nosso ânimo estava baixo era até um divertimento quando esta cena acontecia. Mesmo com a crítica da coordenação que cuidava para o trabalho não desandar com a ultrapassagem de limites na brincadeira.

O melhor ocorria nos dias de grande movimentação nos corredores. Nestes dias o deputado baixava o facho. Não era burro e sabia de suas limitações. Os militantes, por sua vez, tratavam-no como aos demais. Apresentavam-se, informavam que estavam ali para buscar o voto favorável dos mesmos, solicitavam a permissão para afixar cartazes da campanha nas paredes externas dos seus gabinetes, pediam autorização para afixar um adesivo em suas lapelas, além do tradicional gesto da mão no ombro ao caminhar, uma oportunidade para colar um adesivo nas costas do deputado sem que ele percebesse. Assim, o parlamentar chulo circulou muitas vezes pelo Congresso exibindo adesivos da campanha pela anistia dos trabalhadores que ele odiava, e era alvo de chacotas, como ocorre nas brincadeiras de rabiola entre garotos nas escolas, até que algum dos seus pares ideológicos o alertasse.

Conquistamos a anistia e o deputado seguiu seu caminho, inglório e vergonhoso. Suas pragas e esconjuros viraram contra si próprio. Membro da “tropa de choque de Collor” e réu confesso no caso “mensalão”, teve o seu mandato cassado em 2005 por quebra de decoro parlamentar.

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