Crônicas de militante
Para
convencer Constituintes de 1988 a votarem em favor da anistia dos trabalhadores
que participaram de greves, uma das tarefas era abordá-los nos corredores do Congresso
Nacional quando se dirigiam ao Plenário, especialmente nos dias de votação dos
temas de maior destaque. Naqueles dias eles se deslocavam em grupos, exibiam-se
para fotógrafos, faziam-se simpáticos e, geralmente, não rejeitavam abordagens.
Mas, não era assim todo o tempo. Em grupos menores, nos seus gabinetes,
sentindo-se seguros e poderosos, eles mostravam quem eram, mesmo que não
assumissem explicitamente quem estavam representando. Brilhantes, medíocres,
sinceros, dissimulados, humildes, arrogantes, batalhadores, coçadores, tinha constituinte
de todo o tipo – nenhum bobo. Muitos medíocres, mas espertos.
Um
deles odiava os sindicatos. E a CUT parecia ser a sua inimiga maior. Ele conhecia
bem a campanha da anistia, sabia sobre o trabalho que estávamos fazendo e
frequentemente cruzava com a moçada que estava distribuindo cartazes, visitando
os gabinetes etc. Ele tinha um pavio curto e fez fama assim, de brigão,
troglodita. Aliás, até representava este papel em um programa popular de TV de
audiência nacional e que foi o trampolim para sua eleição.
Ao
passar por nós ele não conseguia se controlar. Sem constrangimentos, em tom
alto que garantisse que estávamos ouvindo, mas não o bastante para comprometê-lo,
considerando que era o corredor do Congresso Nacional, ele vociferava: Vocês não me enganam! Se fazem de santinhos,
mas é tudo agitador! Tudo da CUT! Querem anistia, né? Não vão ter anistia porra
nenhuma, todos vão se fuder! Vou botar na bunda de vocês! E os gritos eram
acompanhados de gestos. Usando o polegar e o indicador mostrava-nos orifícios, mas
não era um Ok. Também nos brindava
com uns “Top, Top” batendo a palma de uma das mãos sobre o punho fechado da
outra. Na época ainda não havia na linguagem brasileira de sinais pornográficos
o apontamento para cima do dedo médio, gestual que foi incorporado, mais tarde, dos americanos.
Acontecia que entre os militantes também tinha
gente de todo o tipo, felizmente. Alguns queriam brigar, partir pra cima do
deputado, e isso era tudo o que ele queria. Outros engoliam a raiva. E havia militantes
sacanas, provocadores, que faziam questão de botar pilha no deputado, de bater
palmas para ver o maluco dançar. Ao cruzar com o deputado, uma troca de
olhares, um cumprimento irônico, uma risada fingidamente abafada era o que
bastava. O cara surtava. Nos dias em que o nosso ânimo estava baixo era até um
divertimento quando esta cena acontecia. Mesmo com a crítica da coordenação que
cuidava para o trabalho não desandar com a ultrapassagem de limites na
brincadeira.
O melhor
ocorria nos dias de grande movimentação nos corredores. Nestes dias o deputado baixava
o facho. Não era burro e sabia de suas limitações. Os militantes, por sua vez,
tratavam-no como aos demais. Apresentavam-se, informavam que estavam ali para
buscar o voto favorável dos mesmos, solicitavam a permissão para afixar
cartazes da campanha nas paredes externas dos seus gabinetes, pediam autorização
para afixar um adesivo em suas lapelas, além do tradicional gesto da mão no
ombro ao caminhar, uma oportunidade para colar um adesivo nas costas do
deputado sem que ele percebesse. Assim, o parlamentar chulo circulou muitas
vezes pelo Congresso exibindo adesivos da campanha pela anistia dos
trabalhadores que ele odiava, e era alvo de chacotas, como ocorre nas
brincadeiras de rabiola entre garotos nas escolas, até que algum dos seus pares
ideológicos o alertasse.
Conquistamos
a anistia e o deputado seguiu seu caminho, inglório e vergonhoso. Suas pragas e
esconjuros viraram contra si próprio. Membro da “tropa de choque de Collor” e
réu confesso no caso “mensalão”, teve o seu mandato cassado em 2005 por quebra
de decoro parlamentar.
você é realmemte um grande cronista...
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirBelo registro. Pena que fatos como esses ainda são recorrentes no Congresso.
ResponderExcluirO melhor que li sobre esse esconjuro!
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