Crônicas de militante
Promover
uma greve geral não é fácil. Enfrenta-se o patrão e sua segurança privada; o
governo que via de regra confunde-se com o patrão e mobiliza as forças de
segurança pública; a alienação de trabalhadores que não relacionam suas
dificuldades com a necessidade de sua mobilização e capacidade de reação; as
categorias não se relacionam como classe. Além do mais, há que atuar
especificamente junto aos
pontos que funcionam como símbolos, como estandartes de mobilização das lutas No Rio de Janeiro, por exemplo, uma greve geral não se
caracteriza se não pararem os ônibus urbanos.
Mesmo
forte e com adesão expressiva, simbolicamente, a greve com ônibus rodando não será
considerada greve. E com esta avaliação, patrões e governo usam todos os
recursos para colocar os ônibus nas ruas, e os grevistas para pará-los. E parar
um ônibus que já começou a circular, só com uso do miguelito, uma peça formada por dois pedaços de vergalhão de 8mm, de 12 a
14 cm cada, as pontas chanfradas para facilitar a perfuração, dobrados em L, unidos
e soldados pelas alças dos L. Em qualquer posição que seja deixado, o miguelito
sempre ficará apoiado em um tripé com uma das 4 pontas para cima, em posição ideal
para arriar um pneu.
Mobilizados
para o sucesso da greve geral de março 1989, convocada pela CUT e a CGT, contra
o Plano Verão, saímos logo nas primeiras horas do dia para avaliar a
mobilização e a paralisação dos rodoviários, uma categoria com uma história
sindical complicada. O dia precisava amanhecer com cara de greve, ou seja, sem
ônibus circulando. Os piquetes nas empresas de ônibus precisavam ser efetivos e
os miguelitos precisavam cumprir a
sua função junto às unidades com fura-greves que insistissem em circular.
Estávamos
no subúrbio e avistamos um ônibus parado, em um ponto não convencional,
possivelmente aguardando para começar a rodar. Aproximamo-nos para abordar o
fura-greve, tentar convencê-lo a parar e, naturalmente, para posicionar
convenientemente alguns miguelitos
como precaução para um insucesso no convencimento. Batemos na lataria do ônibus
anunciando a nossa chegada e caminhamos para as portas. Foi quando o ônibus, que
parecia vazio, iluminou-se e ficou cheio de PMs. Policiais que não avistamos
porque estavam escondidos ou porque descuidamos de verificar. O fato é que não
deu para compreender o que acontecia e ninguém ficou para esclarecer. O ônibus
criou vida, como uma colmeia atiçada, com abelhas fardadas descendo para nos encher
de porrada. E nós ... corremos. Muito! O instinto apontava a direção e o medo
dava energia. Felizmente, os instintos e medos, meus, de um companheiro e de uma
companheira, os três telefônicos, estavam em sintonia, o que nos permitiu
correr na mesma direção. Os demais dispararam, sei lá para onde.
A corrida
da nossa companheira foi prejudicada por uma dificuldade respiratória, mas tivemos
energia suficiente para puxá-la, de braços dados, e disparamos por ruas que não
conhecíamos, entramos em quintal de residência e nos escondemos. Algo
impossível nos dias atuais. Para sorte nossa, a polícia estava designada para
proteger os empresários e suas frotas, não era um pelotão de extermínio como os
noticiados hoje. E a nossa tática naquele momento, revolucionária, foi correr,
esconder, e esperar para retornar quando o ambiente acalmasse.
Não
vimos se o ônibus colmeia chegou a ser abatido. Logo que foi possível saímos
dali e partimos para outras tarefas. Mas, os demais ônibus pararam, assim como
o metro e os trens. Ao fim de dois dias de greve o Jornal do Brasil estampou em
primeira página uma foto da Presidente Vargas, desde a Central até a
Candelária, completamente vazia de ônibus. Uma greve geral vitoriosa, a maior do
país, até hoje, com uma adesão estimada de cerca de 35 milhões de trabalhadores.
Valeram o susto e a corrida.
E como valeu Jorge. As vezes penso que perdemos na maioria das frentes em que lutamos, no entanto, quando vejo algumas das vitórias do povo trabalhador, refaço meus pensamentos e acredito que corridas como aquelas contribuíram e muito para essas vitórias, ainda que pequenas. Continue nos fazendo ter certeza de que estávamos certos. Abraços. Luis Sergio.
ResponderExcluirLuis, esta foi realmente uma greve vitoriosa. Apenas para nossa memória, veja este registro: “... em 1989, a greve geral de 14 e 15 de março pôs o governo Sarney na defensiva a tal ponto que teve de aceitar uma lei salarial que era o oposto da que seu ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, havia estabelecido com o Plano Verão.” ( Welmowicki, Jose – Cidadania ou Classe? O Movimento Operário na Década de 80 – Ed. “Instituto Jose Luís e Rosa Sunderman”, 2004).
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