Crõnicas de militante
Em
1988 tentávamos aprovar na Assembleia Nacional Constituinte a anistia para os
empregados das estatais demitidos por participarem de greves. Na prática,
precisávamos aprovar uma proposta de emenda ao texto base de Constituição que
estava em votação. A proposta, por sua vez, era a consolidação de outras emendas,
de diferentes parlamentares, um mecanismo que foi chamado de “fusão de emendas”.
Nem todos os parlamentares que contribuíam com suas propostas para uma fusão
empenhavam-se na aprovação da resultante. Era comum a proposta resultante de
fusão de emendas ter um patrono, geralmente um dos parlamentares que contribuiu
para a fusão e que tinha efetivamente o interesse na sua aprovação. O patrono
ficava responsável por negociar adesões e realizar todas as mediações
necessárias entre o Congresso Constituinte e a base de interessados na aprovação
da emenda, no caso, os trabalhadores das estatais.
O patrono
da emenda da Anistia
foi o deputado João Paulo, do PT/MG, que abraçou
a causa. No Congresso já contávamos com uma infraestrutura viabilizada pelo PDT
que nos permitiu o uso de salas da Comissão do Trabalho, e ocupamos, também, o gabinete do nosso patrono. Atuávamos como seus
assessores, e a sua agenda era praticamente determinada pela comissão de trabalhadores
que tratava o assunto, naturalmente com participação e consentimento do
deputado. Definíamos estratégias de abordagem, elaborávamos material para orientar
a intervenção dos voluntários novatos e fazíamos visitas a parlamentares. Ao
final do dia tínhamos histórias para relatar, prestar contas das tarefas e
avaliar os trabalhos.
Também
definíamos ações que só poderiam ser realizadas pelo patrono da emenda, algumas
junto a outros Constituintes e algumas dentro do seu próprio partido que também
tinha outras prioridades e que também requeria a atuação do deputado. Nos
finais de semana havia recesso parlamentar e descanso para os militantes cuja
tarefa principal era a abordagem e visitas aos gabinetes, mas ainda assim havia
material para preparar, para imprimir, contatos para fazer e tudo tinha que ser
realizado em sintonia com o patrono da emenda que também passava o fim de
semana atolado em atividades.
Num
certo fim de semana o nosso patrono informou que precisava visitar sua cidade,
e isto foi um problema porque precisávamos dele em Brasília. Contestamos,
argumentamos, queríamos saber o que era tão importante. O deputado informou que
não estava suportando o incômodo de um dente quebrado ou rachado. Ele estava adiando,
mas precisava de um dentista. Disse que conseguiu agendar uma consulta especial
em sua cidade, mesmo no fim de semana, uma oportunidade que ele não poderia
perder. O grupo insatisfeito, mas compreendendo a situação, cedeu em suas
argumentações. Quase todos calaram, mas um companheiro fez mais uma investida.
Sem constrangimentos, sugeriu ao deputado que fizesse uma gambiarra no dente ou
na prótese, colando-a com superbonder como
ele próprio, nosso companheiro já havia feito.
Para
endossar a sua proposta, enfiou dedos na boca e retirou um pivô ou coisa que o valha
e exibiu na palma da mão para o deputado e para nós demonstrando como ele colou
o próprio dente e a sua proposta poderia se viabilizar. Ficamos mudos. Todos. O
deputado, literalmente, de boca aberta. Não acreditava no que estava vendo e
ouvindo, até que alguém abraçou camaradamente o companheiro, propôs que
saíssemos da sala e encerrássemos a reunião liberando nosso patrono para a sua
viagem.
kkkkkkk...sei quem é..kkkk
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