segunda-feira, 15 de julho de 2013

Nem sempre espicha o rabo de quem cochicha


Crônicas de militante


O dia foi de nervosismo e ansiedade. Esperávamos a votação da “nossa” emenda de anistia, mas ela não aconteceu. Votou-se a anistia para os militares, centenas deles punidos por atos administrativos do golpe de 64 e que não foram contemplados pela Lei da Anistia de 1979. Um desastre. Todas as emendas rejeitadas. Felizmente a sessão Constituinte foi encerrada e a votação da “nossa” emenda, a da anistia para os servidores públicos e de empresas estatais ficou para o dia seguinte, 15 de junho de 1988.

Aguardamos ansiosos e articulando. Nossa indefinição maior passava por ter alguém que defendesse a emenda junto aos parlamentares e partidos da direita, um constituinte conservador. Nosso alvo era o senador Jarbas Passarinho. Ex-governador biônico do Pará, ex-ministro do Trabalho e da Educação nos governos militares, signatário do AI 5 – mais à direita era impossível. Constava que ele tinha uma simpatia pela emenda decorrente de uma  história sobre um irmão, servidor público, que teria sido injustiçado em outros tempos. Ele apregoava ser um democrata, defensor do direito de greve. Em nossas visitas de convencimento não identificamos hostilidades explicitas. Investimos bastante para que ele defendesse a “nossa” proposta de emenda, realizamos várias abordagens, mas sem um compromisso final
.
No dia seguinte as galerias estavam cheias e havia trabalhadores de diversos estados do Brasil, muitos deles uniformizados. Ainda ocorreram votações sobre a anistia dos militares e todas foram derrotadas. Nós fazíamos pressão máxima junto aos parlamentares, quase invadíamos o plenário. O patrono da “nossa” emenda, João Paulo do PT – MG, estava no limite de suas possibilidades de articulação e, a esta altura, o deputado Lula já estava envolvido, afinal a anistia era a “bola da vez”.  E foi Lula quem assumiu, no ambiente do plenário, onde não podíamos entrar, a intermediação das conversas com o senador Passarinho.

Lula ia lá e vinha cá. Sabia o que a emenda representava para uma parcela aguerrida da militância, não só do seu partido, mas de todos os partidos de esquerda. Nos momentos finais uma condição: reivindicávamos a “reintegração”, Passarinho faria a defesa se fosse “readmissão”, isto é, não teríamos direito aos salários do tempo que ficamos fora. A decisão precisava ser tomada. Um pequeno comitê e concordamos. Voltar para a empresa era a prioridade. Um aceno de concordância para o Lula, um cochicho entre o Lula e o Passarinho, outros cochichos com o presidente da mesa, Ulisses Guimarães, e este encaminhou para a votação a proposta de fusão das emendas dos deputados:Hélio Duque (PMDB/PR),  João Paulo (PT/MG) e  Carlos Cardinal (PDT – RS), a “nossa” emenda.

O deputado Michel Temer defendeu a aprovação pelo PMDB e o senador Jarbas Passarinho discursou defendendo a aprovação pelo seu partido, o PDS. A turma da direita o acompanhou. Fizemos tanta agitação que o próprio Ulysses alertou para não comprometermos um resultado favorável. O plenário da Constituinte estava cheio de balões de aniversário impressos com a palavra “anistia” que mandamos fazer e que arremessamos das galerias. Os constituintes  brincavam com os balões que flutuavam entre eles. Ulisses Guimarães proclamou a aprovação da proposta: Sim: 406; Não: 8; Abstenção: 9; Total: 423.


Nas galerias éramos só orgulho e emoção. Vibramos e choramos. Gritamos nossas palavras de ordem. Queríamos comemorar ali e, ao mesmo tempo, regressar e abraçar os colegas na empresa.  Em Brasília foi uma noite de festa. Víamos uns nos outros a responsabilidade por aquela vitória. Na sede da Embratel, no dia seguinte, a comemoração ocupou uma pista Av. Pres. Vargas. Marcamos a nossa luta na Constituição de 88. O monopólio estatal das Telecom e a Anistia dos grevistas. Almas lavadas. Almas de todos. Não eram pequenas.

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3 comentários :

  1. Muito emocionante relembrar esses tempos e essas lutas. Um abraço, Jorge. Claudio (ex-AEBT/RJ).

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  2. Tenho a certeza de que foi um belo trabalho, em muitos momentos passamos privações e até dificuldade de se manter em Brasília, mas aquela noite é uma das coisas que não sai da minha memória, eu fiquei na comissão aguardando a votação, escutando pelo sistema de som a votação, e depois aguardando o retorno de todos, o abraço conjunto ao deputado João Paulo e finalmente o abraço e a choradeira conjunta...

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