segunda-feira, 1 de julho de 2013

Pavane pour une Infante Défunte

Crônicas de militante

O féretro saiu às 12 horas da porta da Embratel Mackenzie, seguiu pela rua Camerino e avenidas Passos e Presidente Vargas. Os acompanhantes vestiam preto e empunhavam velas acesas. Acompanhavam o caixão de um enterro simbólico que culminou com uma manifestação na porta do edifício sede. Uma nota anunciava a previsão de “morte” dos trabalhadores contratados  da Embratel que já estavam há seis meses sem o direito à assistência médica. Uma manifestação de impacto. Interrompeu o trânsito na travessia da Mal. Floriano e ao dobrar a esquina da Presidente Vargas.

Era 18 de junho de 1991 e aquela foi uma das inúmeras manifestações para a efetivação do pessoal que prestava serviços permanentes à Embratel, mas não eram empregados. Recebiam alcunhas diversas: PESVE, MOC ou MOT que traduziam a mesma situação: trabalhadores em todos os níveis de qualificação e ocupação, mas sem direitos iguais aos dos efetivos, embora com as mesmas obrigações e responsabilidades. A contratação temporária, um mecanismo para suprir eventuais ausências prolongadas, tornou-se uma prática permanente nas empresas estatais proibidas de realizarem admissão de pessoal. Uma prática reforçada pela subserviência criminosa das sucessivas diretorias e que viabilizou um verdadeiro “mercado” para proxenetas de mão de obra.

Porém, as diferenças nas relações de trabalho, que chegavam a contagiar as relações entre  alguns trabalhadores, não se refletiam na militância. Militantes efetivos e contratados enfrentavam ameaças e até punições para organizar os demais efetivos e contratados na luta pela efetivação. E um dos principais núcleos daquele enfrentamento ocorreu no setor que abrigava a maior concentração de contratados e que exercia uma atividade de produção: a Telefonia Internacional. Com uma militância ativa, o setor promovia paradas relâmpagos, compareciam em grupo às manifestações e realizaram, em 1992, a bem sucedida Operação Abelha , mistura de “cêra” com “operação padrão”: Esperar 10 segundos para o atendimento; aplicar rigorosamente o script; atender  apenas em inglês e português, idiomas exigidos pelo posto e recorrer ao auxílio linguístico em vez do usual quebra-galho com os conhecimentos que tinham de outras línguas. ”Efetivação é direito. Não é favor! -  era a palavra de ordem.

Pressionada pelas manifestações, a diretoria da empresa, ainda no governo Collor, chegou a emitir, em maio de 1992, uma resolução determinando início da efetivação, mas em seguida interrompeu o processo sem efetivar ninguém. Uma nova direção, nomeada por Itamar Franco, já foi recebida com mobilizações e reivindicações que incluíam a efetivação. Felizmente, a nova diretoria, presidida pelo falecido ex-ministro Renato Archer, diferente da anterior, endossou o pleito da efetivação e realizou uma consulta à Advocacia Geral da União que foi subsidiada pelas informações e as experiências acumuladas pelos próprios empregados em sua luta. Tais ações finalmente resultaram na efetivação dos contratados, no ano de 1993.


Foi grande o mérito do ex-presidente Archer que atendeu várias das demandas que lhe foram apresentadas, mas equivocadamente, ainda hoje, há trabalhadores que associam a efetivação a um ato de “vontade” do ex-presidente desvinculado dos embates e mobilizações realizados ao longo de cerca de três anos. Isto demonstra alienação. Entre as tantas manifestações resgatei aquele cortejo fúnebre que seguiu o carro do sindicato ao som de Pavane pour une Infante Défunte, uma melodia de Ravel que parece um réquiem, embora não seja, sob os olhares espantadíssimos dos transeuntes e comerciantes locais, denunciando o absurdo da situação dos contratados e, obviamente, questionando e expondo as mazelas da direção da empresa. A fita cassete que utilizamos no enterro está guardada, uma lembrança de outra militante, então jornalista da Associação, que teve a feliz ideia de levar a fita para o ato. 

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3 comentários :

  1. Muito bom! Penso que os artigos desse blog, acompanhados de seus acervos (neste, por exemplo, carros, fita cassete, caixão, roupas, velas,e imagino também algumas fotos e manchetes, para dizer o mínimo)são roteiro para uma belíssima exposição. Bora fazer? Lelena

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  2. Muito bom mesmo! Lembrança de um tempo em que se aprendia muito a cada reunião na AEBT/RJ. Que saudade!
    Abraços, Iara Moura Santos

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  3. Intrépido Jorge. Você me faz lembrar com orgulho as lutas nas quais participamos. Lembrar desses tempos é sentir-se vivo. Agora é a vez dos nossos filhos. A luta continua!
    Grande abraço, Osvaldo Sampaio.

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