Crônicas de militante
O féretro saiu às 12 horas da
porta da Embratel Mackenzie, seguiu pela rua Camerino e avenidas Passos e
Presidente Vargas. Os acompanhantes vestiam preto e empunhavam velas acesas.
Acompanhavam o caixão de um enterro simbólico que culminou com uma manifestação
na porta do edifício sede. Uma nota anunciava a previsão de “morte” dos
trabalhadores contratados da Embratel que
já estavam há seis meses sem o direito à assistência médica. Uma manifestação
de impacto. Interrompeu o trânsito na travessia da Mal. Floriano e ao dobrar a
esquina da Presidente Vargas.
Era 18 de junho de 1991 e
aquela foi uma das inúmeras manifestações para a efetivação do pessoal que
prestava serviços permanentes à Embratel, mas não eram empregados. Recebiam
alcunhas diversas: PESVE, MOC ou MOT que traduziam a mesma situação:
trabalhadores em todos os níveis de qualificação e ocupação, mas sem direitos
iguais aos dos efetivos, embora com as mesmas obrigações e responsabilidades. A
contratação temporária, um mecanismo para suprir eventuais ausências
prolongadas, tornou-se uma prática permanente nas empresas estatais proibidas
de realizarem admissão de pessoal. Uma prática reforçada pela subserviência
criminosa das sucessivas diretorias e que viabilizou um verdadeiro “mercado”
para proxenetas de mão de obra.
Porém, as diferenças nas
relações de trabalho, que chegavam a contagiar as relações entre alguns trabalhadores, não se refletiam na
militância. Militantes efetivos e contratados enfrentavam ameaças e até
punições para organizar os demais efetivos e contratados na luta pela
efetivação. E um dos principais núcleos daquele enfrentamento ocorreu no setor
que abrigava a maior concentração de contratados e que exercia uma atividade de
produção: a Telefonia Internacional.
Com uma militância ativa, o setor promovia paradas relâmpagos, compareciam em
grupo às manifestações e realizaram, em 1992, a bem sucedida Operação Abelha ,
mistura de “cêra” com “operação padrão”: Esperar 10 segundos para o atendimento;
aplicar rigorosamente o script; atender
apenas em inglês e português, idiomas exigidos pelo posto e recorrer ao auxílio
linguístico em vez do usual quebra-galho com os conhecimentos que tinham de
outras línguas. ”Efetivação é direito. Não é favor! - era a palavra de ordem.
Pressionada pelas
manifestações, a diretoria da empresa, ainda no governo Collor, chegou a
emitir, em maio de 1992, uma resolução determinando início da efetivação, mas
em seguida interrompeu o processo sem efetivar ninguém. Uma nova direção,
nomeada por Itamar Franco, já foi recebida com mobilizações e reivindicações
que incluíam a efetivação. Felizmente, a nova diretoria, presidida pelo
falecido ex-ministro Renato Archer, diferente da anterior, endossou o pleito da
efetivação e realizou uma consulta à Advocacia Geral da União que foi
subsidiada pelas informações e as experiências acumuladas pelos próprios
empregados em sua luta. Tais ações finalmente resultaram na efetivação dos
contratados, no ano de 1993.
Foi grande o mérito do
ex-presidente Archer que atendeu várias das demandas que lhe foram
apresentadas, mas equivocadamente, ainda hoje, há trabalhadores que associam a
efetivação a um ato de “vontade” do ex-presidente desvinculado dos embates e
mobilizações realizados ao longo de cerca de três anos. Isto demonstra
alienação. Entre as tantas manifestações resgatei aquele cortejo fúnebre que
seguiu o carro do sindicato ao som de Pavane
pour une Infante Défunte, uma melodia de Ravel que parece um réquiem,
embora não seja, sob os olhares espantadíssimos dos transeuntes e comerciantes
locais, denunciando o absurdo da situação dos contratados e, obviamente,
questionando e expondo as mazelas da direção da empresa. A fita cassete que
utilizamos no enterro está guardada, uma lembrança de outra militante, então
jornalista da Associação, que teve a feliz ideia de levar a fita para o ato.
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Muito bom! Penso que os artigos desse blog, acompanhados de seus acervos (neste, por exemplo, carros, fita cassete, caixão, roupas, velas,e imagino também algumas fotos e manchetes, para dizer o mínimo)são roteiro para uma belíssima exposição. Bora fazer? Lelena
ResponderExcluirMuito bom mesmo! Lembrança de um tempo em que se aprendia muito a cada reunião na AEBT/RJ. Que saudade!
ResponderExcluirAbraços, Iara Moura Santos
Intrépido Jorge. Você me faz lembrar com orgulho as lutas nas quais participamos. Lembrar desses tempos é sentir-se vivo. Agora é a vez dos nossos filhos. A luta continua!
ResponderExcluirGrande abraço, Osvaldo Sampaio.