terça-feira, 23 de junho de 2015

Aterro

Vizinhos


Em frente à minha janela está o meu vizinho mais importante. Embora o seu nome oficial seja Parque Brigadeiro Eduardo Gomes, o que vale é o seu apelido:  Aterro do Flamengo, e para os íntimos apenas “Aterro”, apelido que ganhou por ser um parque construído em uma área de 1.200.000 m2 da  baía de Guanabara aterrada com o entulho retirado do desmanche de um morro próximo (Santo Antonio) e com areia retirada do fundo da própria baía.

Nesta cidade qualificada de maravilhosa porque a natureza não lhe poupou beleza, o meu vizinho constitui possivelmente a mais expressiva beleza não natural do Rio de Janeiro. É uma construção humana que se estende desde o aeroporto Santos Dumont até a enseada de Botafogo, e inclui jardins, parques, quadras e pistas de esportes, campos de futebol, quiosques, o Museu de Arte Moderna, a Marina da Gloria, o Monumento aos Pracinhas, o Monumento ao fundador da cidade, Estácio de Sá, o Museu Carmem Miranda, milhares de árvores, centenas de espécies de plantas nativas e exóticas, cerca de 100 postes para iluminação com 45 metros de altura cada. O Aterro resulta de um projeto urbanístico com uma interessante história, e se transformou  num tesouro  para os  habitantes da cidade e seus visitantes. Ele é bem servido por transporte público: ônibus. O acesso ao parque é livre, sem grades,  e a sua área para lazer é ampliada aos domingos e feriados com o fechamento das duas faixas de rolagem que integram o conjunto. Desconheço outro espaço da cidade que possa ser acessado,  ocupado, usado, admirado e vivenciado com uma deliciosa sensação de apropriação sem  exclusividade, com a sensação de se fazer parte sem ser “dono”. Usufruir sem excluir o outro. As praias do Rio de Janeiro geram sensações  similares, mas elas se incluem entre as maravilhas naturais da cidade.

É um prazer ver famílias das mais variadas origens socioeconômicas ocuparem os seus espaços nos dias de folga e descanso, sem frescuras nem protocolos babacas que caracterizam as apartações sociais. Acho até que os visitantes são poucos se comparados com a capacidade de abrigo do Aterro. São raros os domingos sem as corridas ou caminhadas nas pistas que margeiam os seus jardins. O  “futebol dos garçons” que diariamente ocupa as suas quadras nas madrugadas até o raiar do dia já virou tradição.  

Meu vizinho sofre ameaças à sua integridade. Não bastassem as insuficiências dos serviços para a sua manutenção, volta e meia noticiam iniciativas visando a sua exploração comercial com atividades que descaracterizariam o seu propósito de espaço público. Já se falou em construção de shopping e até em circuito para corrida de automóveis. Essas iniciativas foram inibidas, mas as recentes concessões para o uso da marina da Gloria e os consequentes eventos programados e realizados naquele espaço afirmam uma opção pela privatização do espaço público em vez da universalização da sua ocupação. Seria um exagero de minha parte se as ameaças não estivessem aí, latentes e nem sempre veladas. Afinal, foi no início deste 2015 que uma jornalista carioca, nacionalmente conhecida e considerada, propôs descaradamente como medidas para solução de casos de violência nas praias, “... diminuir drasticamente a circulação das linhas de ônibus e de Metro no fluxo Zona  Norte – Zona Sul ...” e “... cobrar entradas nas praias de Leme, Copacabana, Ipanema, Leblon ...”.


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Panorâmica do Aterro




2 comentários :

  1. Gostei muito! Além de informações importantes sobre o Parque do Flamengo, o autor faz denuncias igualmente importantes sobre o q se pretende ou se pretendeu fazer contra o parque.

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