Vizinhos
Esta vizinha é uma velha senhora caminhando para os
seus oitenta anos. A União Nacional dos Estudantes – UNE é vizinha de calçada,
e a sua sede, no número 132 da Praia do Flamengo, está precisamente a 240
metros além da portaria do meu prédio. A rigor, ela “estava” porque, no
momento, o local é um canteiro de obras. Naquele endereço funcionou, nos anos
30, o clube Sociedade Germânia fundado antes da independência do Brasil. O
clube foi fechado durante a segunda grande guerra pelo governo Vargas que confiscou
e concedeu o prédio aos estudantes para ser a sede da UNE que já existia desde
1937. Atualmente o clube Germânia funciona na Gávea.
A UNE foi símbolo das manifestações estudantis que
contestaram o regime militar, e por isto foi declarada ilegal em 1964. Seu prédio
sede foi incendiado nos primeiros dias do golpe e, mais tarde, demolido pela
ditadura. A entidade passou a atuar na clandestinidade, seus militantes e
dirigentes foram perseguidos e alguns deles presos ou assassinados. Em 2007 os
estudantes ocuparam o terreno que funcionava como um estacionamento e conseguiram
na Justiça a posse do mesmo. Mais tarde o Congresso Nacional reconheceu a
responsabilidade do Estado e determinou a indenização da UNE por suas perdas. Em
2010 o presidente Lula inaugurou no local o início das obras de
reconstrução da sede da UNE. Conforme tem sido divulgado por alguns jornais
e, em parte, pela própria UNE, na área de sua sede será erguida a “Torre Flamengo”
uma obra realizada em sociedade com a iniciativa privada. Será um prédio de 12
andares que abrigará a nova sede com um espaço para o seu uso exclusivo, mas
que também será um empreendimento para a exploração comercial.
Neste momento, junho de 2015, a minha vizinha está
realizando o seu 54º Congresso em Goiânia (GO). Sem dúvida um evento importante
que registra cerca de 10 mil participantes. Entretanto, a UNE tem sido
contestada como a representante unânime da esquerda política na área
estudantil, e acusada de imobilismo decorrente de seu apoio incondicional ao governo federal. Seus críticos criaram, em
2009, uma nova entidade a “ANEL - Assembleia Nacional dos Estudantes – Livre”
que já realiza o seu terceiro congresso no mesmo período do congresso da UNE,
mas em Campinas (SP) e com cerca de 1000 participantes. O futuro nos dirá sobre
os desdobramentos destas disputas.
Enquanto isto, a vizinha segue com suas obras. As
placas no local já não fazem menção à entidade, mas uma animação no youtube
informa que ali haverá auditório, sala de exposição, café, restaurante, garagem
em subsolo e outros recursos decorrentes de um projeto que foi doado à UNE pelo
arquiteto Oscar Niemeyer. Eu preferiria uma UNE não “empreendedora”, praticando
a sua liberdade nas ruas, provocando a participação política dos estudantes.
Leve como eles, e sem essa coisa de
administração comercial de patrimônio que me parece um convite à acomodação e
ao peleguismo. As notícias falam em uma obra de custo R$ 65 milhões – não é
pouca coisa. Parece que a velha senhora reaparecerá em grande estilo, pelo
menos, ressalve-se, na aparência.
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Sede da UNE logo após o confisco da sede do Germânia (esquerda) e incêndio durante o golpe militar de 1964 (direita) |
Ruínas da antiga Sede |
Torre Flamengo
Local da nova sede da UNE
Esses corôas são ex-presidentes da UNE Manifestação quando o terreno foi devolvido à entidade |
ANEL- Assembléia Nacional dos Estudantes Livre
Nova entidade - Oposição à UNE
Nova entidade - Oposição à UNE
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