terça-feira, 11 de julho de 2017

Um jacá de virtudes

Opinião

Os termos direita e esquerda políticas são quase universais e as suas origens bastante conhecidas. Também não é novidade que não são definições técnicas, ao contrário são expressões que ao longo do tempo suscitaram variações de abordagens. Talvez frequentem mais os dicionários histórico-políticos do que os filosóficos.  Assim, ao ler recentemente a coluna de um jornalista, filósofo, afirmando que as definições de esquerda e direita têm sido “castigadas pela história[1] considerei uma mensagem que não contém, a rigor, muita informação, servindo mais como desvalorização dos termos em favor das convicções do colunista.

Na coluna citada, o jornalista aborda a busca de alternativas para os termos esquerda e direita, fato que também não é novo, e expressa a sua preferência pelas formulações de um terceiro autor que teria sugerido a concepção de seis dimensões ideológicas formando um chamado “mapa ético” no qual a “esquerda” seria uma representação enfática (grifo meu) de duas dimensões -  a proteção e a justiça - enquanto a “direita” seria uma mistura homogênea (grifo meu) das seis dimensões propostas -  proteção, justiça, liberdade, lealdade, autoridade e santidade. Até onde entendi, o tal mapa ético seria uma espécie de cesta de valores, mas não consegui inferir se esta distribuição de produtos nas duas cestas reflete a opinião do colunista ou do autor citado por ele. Também não consumi tempo pesquisando.

Minha primeira reação após a leitura foi desdém. Achei pueril imaginar que proteção, justiça, liberdade, lealdade, autoridade e santidade, no contexto da conjuntura política, possam ser mais assertivos que direita ou esquerda. Recebi o texto como sugestão de leitura e cheguei a pensar com os meus botões “Porra! Valorizar isso?” Mas, foi apenas um espirro emocional. O amigo que me enviou o texto filtrou e achou um mote interessante para conversas, aliás, foi assim que ele o apresentou. E fazendo releituras verifiquei que a minha primeira impressão foi injusta com o colunista porque ele mesmo concorda que a abordagem binária facilita a identificação de aliados e inimigos, embora declare que acha a abordagem precária e que passa a impressão de carregar um conteúdo profundo quando, em sua opinião, é cada vez menor.

Quando fiz comentário desvalorizando o tema, o meu amigo replicou indagando, então, sobre qual seria o meu mapa ético, numa provocação que não aceitei. Quem quiser consumir tempo elaborando o que prefiro chamar de um jacá de virtudes em vez de mapa ético, que se dê ao trabalho de fazê-lo. Preferi não desviar minha atenção porque, na situação atual, acho quase um exercício de besteirol, uma brincadeira de almanaque. Porém, não apenas isso. Verifico que proposições como a do colunista aparecem sempre quando estão em discussão questões explicitamente conflitantes e claramente consoantes com as “desgastadas” bandeiras da esquerda e da direita política.  E mais, sempre surgem de alas de pensamentos identificados com os da direita política que se constrange em explicitar suas posições e, não querendo fazê-lo, buscam dispersar e desviar a discussão para a sexualidade dos anjos. Em termos mais simples: quem tem dúvida sobre esquerda e direita políticas, via de regra, é o cara de direita. Esse comportamento não é muito diferente daqueles que inconformados com a implantação das cotas raciais no sistema de ensino nacional apregoavam a tese que as pessoas sequer saberiam responder com convicção se eram negras  ou brancas.

Em momento nenhum eu desconsidero as indagações filosóficas sobre qualquer assunto, até mesmo sobre o sexo dos anjos. Não tenho capacitação para tal, e seria uma pretensão arrogante se tentasse fazê-lo. Mas, priorizo abordar a realidade da conjuntura que vivemos e busco fazer tal abordagem sob uma óptica de classe. Hoje, as questões políticas que considero mais importantes não só para o nosso cotidiano, mas também para o nosso futuro e das nossas gerações imediatas, estão materializadas sob a forma projetos políticos de uma classe minoritária dominante que, vivendo uma crise do modo de produção, busca sustento e recuperação aumentando a exploração de uma classe majoritária de trabalhadores. Esse processo se faz pelo encaminhamento de projetos de reformas na legislação, usando os seus representantes nos três poderes da república, e se traduzem especificamente pela tentativa de desqualificar a organização dos trabalhadores, além destruir conquistas acumuladas com muita luta pelos mesmos.

Nesse momento, enquanto rabisco esse texto, no senado federal estão tentando aprovar projeto que acaba com a carteira assinada, décimo terceiro salário, férias, FGTS, licença maternidade, jornada de trabalho, representação sindical. Estão tentando aprovar o trabalho intermitente, o trabalho temporário e o fim do trabalhador celetista em favor do autônomo com terceirização indiscriminada. Sem contar as tentativas que estão sendo realizadas para destruir a previdência social.

Eu não concordo com essas propostas. Por minha vontade, e pela qual me empenho no limite das minhas possibilidades, estabeleceríamos uma nova ordem política; implantaríamos um maior controle público do estado através de conselhos populares e da prática de consultas públicas; realizaríamos uma apropriação dos ganhos de produtividade com redução das jornadas de trabalho e aumento de salários; a tributação das grandes fortunas, dos lucros, dos ganhos de capitais e das altas rendas; daríamos prioridade para os projetos de evidentes benefícios públicos; suspenderíamos os pagamentos até uma auditagem das dívidas ora assumidas como dívidas públicas nacionais e internacionais, entre outras medidas.


Essas são as questões reais e concretas que estão em disputa e, a meu juízo é entre elas que devemos e precisamos escolher, tanto como objetivo a alcançar, como meta imediata de lutas, demonstrando, então, o que somos e o que queremos. É assim que eu vou enchendo o meu jacá! Não de virtudes, mas de escolhas. E poderemos, a qualquer momento, a título de troca de conhecimentos, uns sobre os outros, esparramar no chão os conteúdos dos nossos jacás, avaliando se as escolhas que fizemos são de direita ou de esquerda. Duvido que haja dúvidas na classificação, assim como ninguém tem dúvida em responder se é negro ou branco numa discussão sobre cotas raciais para o sistema de ensino.

[1]
O que é ser de esquerda? HÉLIO SCHWARTSMAN - Folha de São Paulo 05/07/2017 – Disponível em http://m.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2017/07/1898551-o-que-e-ser-de-esquerda.shtml - Acesso em 11/07/2017

#######

Um comentário :

  1. Sempre lúcido e pertinente, Jorginho! Obrigada pela postagem que organiza idéias e incentiva às reflexões construtivas. Estamos mesmo precisando.

    ResponderExcluir