Opinião
Recentemente
tive a oportunidade de trabalhar durante dois anos como estagiário de professor
em turmas de ensino médio do projeto Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Não
tenho estatísticas, mas a maioria dos alunos pareceu ser do sexo feminino, de
cor parda ou preta. Senhoras com família para cuidar, empregadas em atividades
diversas, algumas com filhos ainda em fase infantil. Quase todos (homens e
mulheres) trabalhavam em locais distantes, dependendo de um sistema de
transporte precário, e muitos com atividades que afetavam a assiduidade.
A
maioria deles nem tinha a visão que este tipo de projeto (EJA) que inclui
escola, professores, material didático, alimentação e transporte é um projeto
público e que resulta de uma disputa com outros projetos onde ele (aluno) não é
o beneficiário. Uma disputa de recursos e de verbas públicas que poderiam ser
alocadas em projetos para atender a interesses de outros grupos menores e
específicos. Grupos que disputam a apropriação dessas verbas.
Muitos
alunos, especialmente os mais jovens, não tinham a mínima noção de civilidade.
Um comportamento comum era o entrar e sair de sala sem os usuais cumprimentos
de cortesia, arrastar ruidosamente mesas e cadeiras, estabelecer conversas em
tons altos e paralelas às aulas e ignorar a presença do professor.
Consultei
um pouco sobre projeto EJA, sua história e outros aspectos, e encontrei
diversos trabalhos de professores que se dedicam com empenho ao assunto. Também
fiz minhas próprias observações e considerações que estão bem longe da
qualidade das elaborações que tive a oportunidade ouvir, de ler e de estudar,
mas não considero impróprias nem anacrônicas. Aprendi bastante, até porque essa
era a finalidade do meu estágio, e aprendi que as tarefas dos professores, de
maneira geral, eram e são bem mais complexas do que instruir os alunos sobre os
aspectos específicos de suas disciplinas.
Por
exemplo, aprendi que, entre outras, há a necessidade de ensinar e cobrar do aluno, permanentemente,
uma postura de civilidade e cortesia entre os seus no ambiente de sala de aula.
Ensinar que a expectativa é que eles procedam assim não apenas em sala de aula,
mas em todo o ambiente escolar e também nos demais ambientes da sua vida
social. Entenda-se por civilidade: a prática de regras, maneiras e
comportamentos formais que expressam respeito entre as pessoas.
Porém,
aprendi que será um equívoco cobrar as práticas de civilidade como se os alunos
estivessem cometendo uma subversão pré-elaborada. É verdade que eles sabem
possivelmente a maioria das regras, mas não sabem utilizá-las simplesmente
porque não praticam entre si em nenhum lugar nenhum, incluindo os seus lares.
Convivem em ambientes onde as regras são outras e determinadas por outros
valores, em alguns onde a civilidade , por incrível que possa parecer, pode ser até uma prática constrangedora e que
precisa ser escondida. Os seus comportamentos de “má educação” refletem apenas
“falta de um tipo de educação” que é preciso ensiná-los.
Pedir
licença ao entrar ou sair da sala de aula, falar com moderação, deslocar uma
cadeira sem arrastá-la, tratarem-se respeitosamente e uns poucos outros
protocolos devem ser ensinados como elementos fundamentais da disciplina
escolar e cobrados pelo professor, inclusive com interrupção da aula para este
tipo de orientação. Sempre que for possível, a orientação deve ser
generalizada, sem exageros e sem firulas que apenas constrangem o aluno sem
seduzi-lo para o uso da prática ensinada.
Os
alunos precisam ser ensinados que as práticas disciplinares não são uma
demonstração de obediência e reconhecimento de autoridades. São elementos que
favorecem e constituem os suportes básicos do mecanismo do ensino-aprendizagem
e da afirmação dos mesmos como indivíduos sociais credores e devedores de
respeito, uns aos outros. Mas, ressalvo que o professor também precisa
acreditar nisso.
Também
aprendi que é muito importante insistir com os alunos sobre o papel deles em
nosso contexto social. Mostrar que eles estão diante de uma oportunidade de
utilização de recursos que são seus e que precisam ser conservados. Recursos
que poderiam e que até deveriam ser aumentados, mas que para tal precisam ser
valorizados e defendidos tanto com as suas posturas (dos alunos) na participação
do projeto, como através dos seus desempenhos nas disciplinas curriculares e
também com as suas mobilizações como sujeitos políticos, sob pena desses
recursos serem desviados para outros fins que participam da disputa.
Frequentar
aulas já é um passo significativo para aqueles alunos. Não fossem as
dificuldades concretas que precisam superar, existem ainda aquelas de natureza
subjetiva: constrangimentos, baixa-estima, não visão de perspectivas,
acomodação com o status quo etc. Para eles, obstáculos que seriam apenas
degraus na evolução do aprendizado podem representar paredões, barreiras quase
intransponíveis e desestimulantes das suas tentativas de evolução. O passo
seguinte neste cenário é a desistência.
E
sobre as disciplinas específicas, estou convencido que o professor deve fazer
um esforço especial para construir rampas de avanço no aprendizado, mesmo que
sejam rampas suaves se consideradas à luz do ensino formal. O professor que
insistir em estabelecer um filtro exemplar, uma barreira inflexível de controle
da capacitação, um paredão intransponível de conhecimentos conseguirá, no
máximo, elaborar um elogiável instrumento de avaliação, mas perderá os alunos
por desistência dos mesmos quando um dos principais objetivos no cenário do
nosso sistema educacional precisa ser também a atração e retenção dos alunos no
sistema escolar.
Com
outros professores aprendi - não tive a experiência - que nas séries do ensino regular, dos níveis
básico e médio, onde a presença
preponderante é de pré-adolescentes e de adolescentes os enfrentamentos
são bem mais difíceis e complexos se comparados com os da educação de jovens e
adultos.
Não
são tarefas fáceis, tanto que eu mesmo não me habilito a realizá-las. E com
essa visão, discordo completamente dessas mensagens reducionistas que circulam
atualmente na web com uma lista fechada sobre o que se deve aprender “na
escola” e o que se deve aprender “em casa” – e com adendos de censura ao ensino
escolar conclamando para uma luta “a
favor da família e de um mundo melhor”.
Não
discordo porque entender que a casa e a escola se confundem, mas porque a rigor
essas listas apenas refletem a mediocridade dos seus elaboradores e apoiadores
e, no fundo, não passam de um disfarce, um esconderijo de discriminações
preconceituosas que estariam melhor acobertadas se fossem enfiadas no olho do
cú dos seus autores.
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Excelente. Concordo do.inicio ao fim.
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