terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Brasil mostre a sua cara!

Opinião

A sociedade brasileira parece que vem se desvelando para si mesma. Mitos que generalizavam a caricatura de uma sociedade fraterna e sem preconceitos vêm se desfazendo em decorrência da nossa dinâmica social, notadamente das nossas experiências sociopolíticas. Vamos revelando a nossa imagem real, e ela não tem a doçura jovial e angelical da face pública de um Dorian Gray, ao contrário, vamos descobrindo outra face, escondida e nada agradável, que retrata as nossas deformidades [1].

Não gosto da imagem que tenho visto e admito preferir que certos preconceitos sejam constrangidos por mitos do que aceitá-los e viver num ambiente de apartação. Contudo, também vejo nessa exposição uma chance de entendermos melhor quem efetivamente somos e com quais atributos e valores sociais cada um de nós se identifica. Vejo uma chance de observarmos nossa imagem real e, conforme o caso, atuarmos sobre os aspectos que nos importam quaisquer que eles sejam.

De fato, estamos vivendo um fenômeno que não é exclusivamente brasileiro, mas inserido em uma dimensão internacional, e a atual exposição de núcleos de fascismo e racismo, além de outros preconceitos discriminatórios, que chegaram a surpreender, foi favorecida pelas mobilizações populares em 2013 e o golpe parlamentar consumado em 2016 que se estabeleceram como marcos. Porém, em nosso caso, muitos desses sentimentos sempre estiveram embotados e disfarçados em convenientes e confortáveis posições criadas pela nossa apartação socioeconômica. As manifestações apenas desmascararam certos atores e ideais políticos que pareciam estar meticulosamente arrumados dentro de uma caixa que foi aberta e da qual foi despejado o seu conteúdo sem ter como arrumá-lo volta. Despejados da caixa, esses ideais e atores políticos perderam seus constrangimentos e passaram a divulgar e induzir comportamentos e práticas, estimulando a propaganda de suas ideias com a consequente formação de grupos de posicionamentos bem mais distintos do que estivemos acostumados em nossa organização política até aqui.

Para o bem ou para o mal, as questões centrais estão aí. O golpe e destituição da presidenta, a unção do seu substituto, as práticas do irrefutável poder e dos aparelhos judiciários, o arrocho da parcela social mais carente através das reformas trabalhista e previdenciária, a entrega do patrimônio público aos grupos privados, a corrupção legislativa praticada e tratada com banalidade, as manifestações racistas, a tentativa de censura política nas escolas, a criminalização dos movimentos sociais, os antagonismos às organizações dos trabalhadores, a propaganda para o armamento da população civil, a impunidade dos torturadores da ditadura e a incorporação de suas práticas pelos aparelhos policiais, as investidas em favor da censura ideológica, entre outros.

A dureza da realidade é que apesar dos desencantos não temos como determinar o fim das monstruosidades apunhalando o quadro como romanceou Oscar Wilde, até porque morreríamos junto com ele. Ao contrário, o que precisamos fazer é revelar e tentar redesenhar esse Dorian Gray social, apesar do nojo e do enjoo que possamos sentir. Assim, não é hora de acanhamentos nem de exasperações, mas de explicitações e de evidências. Como cada um de nós quer estar retratado nesse quadro, nessa imagem? É com essa determinação que precisamos prosseguir.

Quem se aproximar, seja com comentários, opiniões ou propostas – inclusive com candidaturas - precisa mostrar como tem sido representado no quadro e como quer estar. Não basta dizer que a imagem é feia. Isso eu também acho!

Eu quero saber como o fulano se posiciona e tem se posicionado a propósito de cada um dos temas que me afligem. Quero saber quais tem sido e quais serão as suas escolhas, e se elas são coerentes com o que ele propaga. Se o fulano for um candidato, eu quero saber a sua história e se as suas ações efetivamente contribuirão para a melhoria do quadro. Quero saber o seu partido e como esse partido tem votado e se posicionado. Quero saber quais são os seus compromissos explicitamente, incluindo os seus compromissos de alianças políticas.

O fulano reconhece a importância da mobilização social e o papel dos trabalhadores como principais agentes sociais das mudanças necessárias? Está disposto a ir para as ruas apoiando ou participando dessas mobilizações? Se não for assim, não me apareça com discursos vagos e, muito menos, pedindo autorização eleitoral para fazer o que achar melhor porque não terá. Nem me venha com história que deseja melhorar a imagem acrescentando com um lindo nariz, esteticamente bem desenhado e bem afeiçoado, mas alocado no alto da testa do Dorian Gray, além dos outros três que já estão por lá. A criação desse monstro não contará com a minha colaboração. 

[1] O Retrato de Dorian Gray, da autoria de Oscar Wilde, um clássico da literatura internacional, foi publicado nos EUA em 1890.  O personagem Dorian Gray envaidecido com a própria beleza após ser retratado em pintura por um amigo, inconformado com o envelhecimento, vende a sua alma para garantir que o retrato, em vez dele, envelheça. O desejo é concedido e Dorian entrega-se a uma vida  libertina e sem qualquer compromisso moral mantendo a aparência bela e jovial enquanto o seu retrato, mantido escondido, é de um monstro envelhecido e disforme que registra em sua imagem todos os aspectos corrompem a alma de Dorian Gray.
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