terça-feira, 27 de março de 2018

Espaço no adesivo


Opinião

Duas pessoas foram assassinadas no Rio de Janeiro e uma terceira sofreu pequenas lesões de estilhaços, além do trauma emocional. Entre os mortos, uma das vítimas foi o alvo de um homicídio programado e planejado contra uma figura pública. Uma representante popular, uma vereadora cujos posicionamentos políticos colidiam frontalmente com interesses de certos grupos e que diziam respeito exatamente ao cenário de preconceito, discriminação e violência contra grupos sociais representados pela vereadora. A outra vítima foi um trabalhador que estava cumprindo a sua tarefa e circunstancialmente servia de motorista para a vereadora no momento dos assassinatos.

O evento provocou comoção geral com mobilizações e manifestações de repúdio, no país e no exterior, e de cobranças de ações e providências das autoridades responsáveis por identificar e punir os autores da chacina.

Os muitos movimentos e mobilizações têm focado os dois assassinatos, mas notadamente as palavras de ordem de registro e cobranças de providências nos cartazes, faixas, botões, adesivos etc. têm se referido ao fato valorizando o nome da vereadora e colocando em segundo plano o do motorista também assassinado. Essa situação tem gerado polêmicas e cobranças entre a própria militância, sob o argumento que se trata de uma discriminação indevida não citar a cada instante e em toda a oportunidade o nome do motorista ao lado do nome da vereadora, ambos assassinados. A propósito, uma crítica apropriada por alguns que buscam desqualificar as manifestações.

Uma justificativa recorrente é remeter aos sentimentos dos familiares do motorista e de tantos outros vitimados pela violência caótica na cidade do Rio de Janeiro. Na mesma linha argumentam os familiares de policiais também vitimados e cujas desgraças não despertam tantas emoções como foi o caso da vereadora.

Para mim não faz sentido tentar comparar as tragédias humanas que significaram essas duas mortes e as tantas outras. Ao mesmo tempo, entendo que o fato político é distinto da tragédia humana, embora não seja mais nem menos grave ou importante. Mas, é distinto. A enorme repercussão do fato se deu, infelizmente, por conta do simbolismo político da vereadora. Não fosse esse simbolismo ambas as mortes estariam contabilizadas como mais duas entre as tantas tragédias que ocorrem na cidade, e que, inclusive, já ocorreram após o duplo assassinato.

Não deveria estranhar que os apelos se façam em nome da morte da vereadora, mais do que em nome do motorista, pelo fato de se tratar de uma questão de comunicação, de amplificação dos canais de transmissão das informações para um maior alcance das denúncias. E será por esse canal de grande alcance e de maior capacidade que fluirão as denúncias do assassinato da própria vereadora, do motorista assassinado e de tantos outros casos que também decorreram dos embates que levaram aos assassinatos em pauta.

Ambas as vítimas terão os seus nomes clamados nas oportunidades que houver, mas será um estreitamento da visão não compreender que em outras situações as referências serão efetivamente simbólicas porque o símbolo carrega em seu conteúdo um conjunto enorme de informações e conceitos, e o símbolo, circunstancialmente é o nome da infeliz vereadora, não é o nome do também infeliz motorista.



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